No Brasil, apenas em 1977, com a promulgação da Lei do Divórcio, a mulher deixou de ser obrigada a adotar o nome do marido, na ocasião do casamento. Tal obrigação era o reflexo de uma sociedade patriarcal que ainda perdura, apesar de todos os avanços ocorridos ao longo do tempo. Infelizmente, as mulheres permanecem em uma situação de desigualdade em relação aos homens, na maioria dos países. Para melhor compreender essa situação, é preciso buscar a história.
Há mais de 2.500 anos, na Grécia Antiga, mulheres e escravos não eram considerados “pessoas”, mas seres intermediários entre os homens e os animais. Nessa época e durante muito tempo depois, as mulheres eram consideradas “moeda de troca”, e a elas era imposta submissão total ao marido. No século XIX, as limitações eram impostas por lei, principalmente para as mulheres casadas, pois o destino que se entendia “natural” para a mulher era ser apenas esposa e mãe. A ligação entre o Estado e as mulheres era estabelecida por meio do marido, que nesse sentido sucedia ao pai. Isso era simbolizado com a mudança do sobrenome da mulher, que passava a adotar o do marido. Tal obrigação ainda permanecia no Código Civil Brasileiro de 1916, no qual as mulheres eram consideradas “relativamente incapazes”, como os menores de idade; assim, os maridos eram legalmente os chefes da sociedade conjugal e os administradores exclusivos dos bens do casal.
No Brasil, os direitos das mulheres foram garantidos com atraso em relação aos países europeus: apenas em 1932 foi reconhecido a elas o direito ao voto. Mas o grande marco para romper a hegemonia masculina foi a Lei nº 6.121/1962, que concedeu plena capacidade civil à mulher, que passou à condição de colaboradora na administração da sociedade conjugal, podendo exercer atividade profissional e aceitar herança ou legado, sem autorização do marido. No entanto, a posição da mulher ainda era subalterna, ainda que tenha sido reconhecido para a ela o direito à guarda dos filhos menores.
Em 1977, foi garantido a homens e mulheres o direito ao divórcio, por meio da Lei n.º 6.515. A lei ainda trouxe importante conquista para o sexo feminino: tornou facultativa a adoção do sobrenome do marido quando do casamento. Ficou ainda estabelecido que, no caso de separação, a mulher tinha a opção de continuar a usar o nome de casada, a não ser que ela tivesse tomado a iniciativa de pedir a separação ou se fosse sua a culpa pelo fim do casamento. Nessas duas hipóteses, voltava compulsoriamente ao nome de solteira.
Apesar de todos os avanços anteriores, foi com a Constituição de 1988 que ocorreu a maior reforma no Direto de Família brasileiro. Ela baniu definitivamente a desigualdade de gêneros, rompendo com as concepções individualistas, tradicionais e conservadoras-elitistas das codificações. A plena igualdade entre homens e mulheres foi reafirmada no Código Civil de 2002, no qual marido e mulher assumem, mutuamente, a qualidade de responsáveis pelos encargos familiares.
No entanto, apesar de todo esse amparo legal, a mulher da atualidade ainda reproduz comportamentos e papéis de desvalorização e subordinação. Penso que a mudança de sobrenome, mesmo sendo hoje voluntária, contribui para isso, pois coloca a mulher em posição de submissão ao marido, com perda de autonomia e dignidade. Para assegurarmos um Estado no qual a igualdade entre homem e mulher não esteja apenas no papel, acredito que um importante passo seria a alteração da lei civil para não mais permitir a alteração do nome em decorrência do casamento.
* Letícia Franco Maculan Assumpção é Oficial do Cartório de Registro Civil e Notas do Distrito do Barreiro, em BH/MG, Diretora do RECIVIL e do INDIC – INSTITUTO NACIONAL DE DIREITO E CULTURA.