*Ana Clara Amaral Arantes Boczar
** Daniela Bolivar Moreira Chagas
***Letícia Franco Maculan Assumpção
INTRODUÇÃO
No atendimento a pessoas que pleiteiam usucapião é comum nos depararmos com casos de condomínio ou de herança que geram dúvida sobre o direito dos requerentes. A jurisprudência já definiu que é possível a usucapião de bem que se encontra em situação de condomínio, desde que seja provada a posse exclusiva. Mas o que seria a posse exclusiva? Como deve atuar o tabelião nesses casos? Cabe a ele definir se a posse é ou não exclusiva?
Devemos nos lembrar da lição de Arnaldo Rizzardo, segundo a qual o reconhecimento judicial da prescrição aquisitiva tem como objetivo “consolidar uma situação de fato, legalizando-se e transmitindo-se para a propriedade”1. Entendemos ser essencial, portanto, que o Tabelião compreenda profundamente a situação de fato. No entanto, nem sempre será possível ouvir todos os condôminos, razão pela qual será imprescindível constar da ata todos os fatos apurados.
Passaremos a analisar algumas situações que são recorrentes nos cartórios. Em seguida, apresentaremos os requisitos para a posse exclusiva, segundo a jurisprudência atual.
1- CASOS DE CONDOMÍNIO
1.1 – A GARAGEM
Um caso freqüente desde que passou a ser admitida a usucapião extrajudicial é o que envolve a vaga de garagem. O primeiro passo é examinar a matrícula do imóvel para identificar a situação registral da garagem: vaga que constitui unidade autônoma; vaga que é acessório de uma unidade autônoma ou garagem área comum de uso de todos os condôminos. Para cada situação, haverá uma orientação diversa.2
A vaga que é unidade autônoma, com matrícula própria, poderá ser usucapida se demonstrado seu uso exclusivo pelo período legal em face do proprietário que consta na matrícula. Já se a vaga é parte de uso exclusivo de uma unidade autônoma, o pedido será formulado em face do titular dessa unidade, podendo, se demonstrada a aquisição por usucapião, ser objeto de matrícula própria ou ser acrescida aos direitos de outra unidade titularizada pelo usucapiente.3
Por fim, há o caso em que a garagem é área comum, de uso de todos os condôminos, sendo que os moradores definem se esse uso se dará por rodízio ou por sorteio. Nessa hipótese, não ocorre a posse exclusiva, mesmo que um dos condôminos utilize sempre a mesma vaga, por mais de 10 (dez) anos. Trata-se de mera tolerância dos demais condôminos com a situação de fato, o que não caracteriza posse que gera usucapião.
Marcelo Couto afirma que, na hipótese de garagem que é área comum, não haverá “posse jurídica” em razão do disposto no art. 1.208 do Código Civil. Couto menciona Benedito Silvério Ribeiro, para quem: “Sendo indeterminada a vaga de garagem, também chamada garagem coletiva, sem locação física, em que o exercício da posse não é exclusivo, mas sim de toda a comunidade condominial, descabe a usucapião pra o fim de ser declarado o domínio.”4
1.2 – POSSE EXCLUSIVA DE PARTE DE ÁREA COMUM EM CONDOMÍNIO EDILÍCIO
Existe também a situação em que um condômino cerca uma área que antes era comum e faz dela parte do seu imóvel, usando-a como se fosse sua pelo período de tempo necessário para a usucapião. A situação é possível, por exemplo, em condomínios edilícios, nos quais existe um apartamento que tem uma área anexa que se comunica com a entrada ou com a saída do apartamento ou ainda área superior ou inferior ao apartamento. Se for construído um muro para separar essa área e nenhum dos demais condôminos se manifestar pelo prazo necessário para a usucapião, poderá ser configurada a perda da propriedade para o usucapiente.
Francisco Nobre ressalta que há divergência sobre a possibilidade de usucapião contra condôminos, razão pela qual deve haver maior cautela para seu reconhecimento em sede administrativa:
Ocorre, por vezes, que condôminos, em edifício de apartamentos, fechem, com grades ou portas, partes comuns como corredores ou terraços, sob o argumento de que somente servem à sua unidade.
Embora existam alguns precedentes jurisprudenciais no sentido da possibilidade de usucapião de partes comuns, a tese largamente predominante é da impossibilidade, o que inviabiliza, ou ao menos recomenda cautela redobrada em seu reconhecimento em sede administrativa.5
Marcelo Couto, por outro lado, esclarece que o pedido de usucapião contra condôminos pode ser viável se a área comum objeto da usucapião consistir em um espaço com acesso restrito apenas para a unidade do usucapiente. Os exemplos por ele mencionados são: área no primeiro piso, cobertura da última unidade, ou parte do hall de acesso à unidade que for incorporada na área de uso exclusiva, com fechamento de portas ou paredes. Ressalta ainda que é preciso verificar se não existiu autorização de uso pelo usucapiente, concedida pelo síndico ou pela assembléia, pois “não induzem posse os atos de mera permissão ou tolerância”, conforme art. 1.208 do Código Civil. O autor destaca:
Pode ocorrer, também, de haver pretensão de aquisição de área comum em condomínio edilício.
A propriedade edilícia é submetida ao regime jurídico no qual a unidade autônoma é composta de uma parte de propriedade exclusiva e outra de propriedade comum, de modo que essa situação condominial só pode ser desconstituída pela vontade unânime dos condôminos.
[…]
A primeira consideração que se faz é a de que disposição do § 11 do art. 216-A da LRP não pode ser aplicada ao pedido de usucapião de área comum em condomínio edilício. Se a pretensão é de usucapir área pertencente a todos os condôminos, deverá haver anuência ou intimação da totalidade dos titulares das unidades autônomas, não sendo suficiente a manifestação do síndico.
O segundo ponto é identificar se haverá posse exclusiva do condômino, com exclusão dos demais. Ou seja, é necessário que os outros condôminos não tenham a possibilidade de usar aquela área comum, de modo que somente o titular de uma unidade tenha posse da área.
Se somente um condômino utiliza a churrasqueira, piscina ou salão de festa, situada em área comum de acesso permitido a todos os condôminos, a pretensão aquisitiva não poderá ter êxito, já que o uso por uma só pessoa não exclui a possibilidade dos demais também utilizarem aquela área.
De outro lado, o pedido pode ser viável se a área comum objeto da usucapião consistir em um espaço cujo acesso apenas a unidade do usucapiente tem, tal como uma área no primeiro piso, a cobertura da última unidade, ou até mesmo uma parte do hall de acesso à unidade que for incorporada na área de uso exclusiva, com fechamento de portas ou paredes. Deve-se verificar, entretanto, se não existiu autorização de uso pelo usucapiente, concedido pelo síndico ou pela assembléia, uma vez que “não induzem posse os atos de mera permissão ou tolerância”, conforme art. 1.208 do CC.6
Ainda sobre a questão da autorização de uso, vale trazer à baila o direito de uso, gozo e fruição por uma unidade autônoma de área comum existente no pilotis do Condomínio. Há situações nas quais construtoras, incorporadoras ou proprietárias inserem na Convenção de Condomínio cláusula de uso exclusivo de certas áreas comuns, que são denominadas neste instrumento como “áreas reservadas”, o que pensamos tratar-se de atos de mera permissão ou tolerância, não sendo possível usucapião por aquele que foi beneficiado pela previsão na convenção. No caso de existência de “áreas reservadas”, se a forma prevista para rateio das despesas do condomínio for por fração ideal, a área comum que está sendo utilizada de forma exclusiva deverá ser levada em consideração, sob pena de enriquecimento ilícito do proprietário da unidade autônoma que detém o uso exclusivo.
O Superior Tribunal de Justiça – STJ, em 1999, julgou procedente pedido de usucapião de corredor que foi desvirtuado em razão de alteração de projeto, passando a área a ser utilizada de forma exclusiva por alguns condôminos:
Ementa: CONDOMÍNIO. Área comum. Prescrição. Boa-fé. Área destinada a corredor, que perdeu sua finalidade com a alteração do projeto e veio a ser ocupada com exclusividade por alguns condôminos, com a concordância dos demais. Consolidada a situação há mais de vinte anos sobre área não indispensável à existência do condomínio, é de ser mantido o status quo. Aplicação do princípio da boa-fé (suppressio). Recurso conhecido e provido. (REsp 214680/SP, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, 4ª. Turma. DJ 16/11/1999)
Do voto do Ministro Ruy Rosado de Aguiar, deve se reproduzida a parte abaixo, que bem esclarece o fundamento do julgamento favorável:
[…] É certo que a prescrição não pode ser invocada por um condômino contra outro quando se trata de área destinada ao uso comum e indispensável à existência do condomínio, conforme lição doutrinária invocada nos autos (Benedito Silvério Ribeiro, Tratado de Usucapião, ed. Saraiva, I/286). No caso em tela, contudo, os réus e ora recorrentes passaram a ocupar a parte do corredor que leva aos seus apartamentos, porque houve alteração no próprio projeto de construção do prédio, com incorporação de unidades, de tal sorte que o final do corredor dos seus apartamentos perdeu a razão de ser, e o espaço que lhes correspondia transformou-se em área morta, sem qualquer utilidade para o condomínio, permitindo a colocação da porta de entrada no lugar onde hoje se encontra. Logo, não se trata de área indispensável à existência do condomínio e possível o reconhecimento da prescrição.
Compreende-se do Acórdão do STJ que é possível a usucapião se a área não for essencial para a existência do condomínio, tendo sido incorporada por um dos condôminos para seu uso exclusivo durante o período de tempo necessário para a usucapião.
O mesmo Superior Tribunal de Justiça, em 2008, novamente manifestou-se sobre a possibilidade de condômino usucapir se exercer posse exclusiva sobre o imóvel, afirmando tratar-se de jurisprudência consolidada:
AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. USUCAPIÃO. CONDOMÍNIO. SÚMULA 7/STJ. MANUTENÇÃO DA DECISÃO HOSTILIZADA PELAS SUAS RAZÕES E
FUNDAMENTOS. AGRAVO IMPROVIDO.
I – Esta Corte firmou entendimento no sentido de ser possível ao condômino usucapir se exercer posse exclusiva sobre o imóvel. Precedentes.
II – Não houve qualquer argumento capaz de modificar a conclusão alvitrada, que está em consonância com a jurisprudência consolidada desta Corte, devendo a decisão ser mantida por seus próprios fundamentos. Agravo improvido. (AgRg no Ag 731971 / MS, Rel. Ministro Sidnei Beneti. 3ª Turma. Dje 20/10/2008)
Assim, para o Superior Tribunal de Justiça, não há dúvida sobre a possibilidade de condômino usucapir quando houver posse exclusiva.
2 – CASOS DE HERANÇA
Nos termos do art. 1.784 do Código Civil, aberta a sucessão, a herança transmite-se,desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários. A partir da transmissão, cria-se um condomínio pro indiviso sobre o acervo hereditário. O direito dos coerdeiros, quanto à propriedade e posse da herança, rege-se pelas normas relativas ao condomínio, como determina o art. 1.791, parágrafo único, do Código Civil. Por isso o tratamento da usucapião em relação a imóvel em condomínio ou a imóvel recebido por herança é o mesmo.
Imagine-se a hipótese em que o genitor de possuía um imóvel e vem a falecer. Nesse caso, o imóvel passa automaticamente ao domínio de todos os herdeiros, em virtude do princípio da “saisine”. No entanto, apenas um dos herdeiros permanece no imóvel. A pergunta que surge é se os demais herdeiros não têm interesse no imóvel, razão pela qual o abandonaram, ou se eles apenas estão permitindo ou tolerando que aquele outro herdeiro lá resida. Esse herdeiro que ficou no imóvel terá posse exclusiva ou não? Se os demais herdeiros permitiram que ele lá permanecesse, não terá ele posse que gera usucapião, uma vez que “não induzem posse os atos de mera permissão ou tolerância”, conforme art. 1.208 do CC.
Nos autos do processo nº 5043420-65.2017.8.13.0024, dúvida suscitada pelo Oficial do 3º Ofício de Registros de Imóveis de Belo Horizonte, autos 0024.2017.514.715-7, manifestou-se a MMa. Juíza Janete Gomes Moreira7 em sentido contrário ao prosseguimento da usucapião extrajudicial, em caso em que a mãe do requerente tinha deixado mais 7 (sete) filhos, que não tinham se pronunciado nos autos sobre anuência, tolerância ou permissão:
A respeito da possibilidade da aquisição de coisa comum, não há dúvidas que “o condômino pode adquirir por usucapião a propriedade exclusiva da coisa comum.” (STF, RE 23282, Relator(a): Min. HAHNEMANN GUIMARAES, Segunda Turma, julgado em 27/09/1955, DJ 27-06-1957 PP-07594 EMENT VOL-00302-02 PP-00419 ADJ 23-09-1957 PP-02549 ADJ 02-09-1957 PP-02255 RTJ VOL-00001-01 PP-00778), sendo portanto, possível o co-herdeiro usucapir, exclusivamente para si e em desfavor dos demais herdeiros, bens integrantes da herança, pois sobre eles se estabelece um condomínio entre todos os herdeiros (art. 1.791 do CC). 2. Para tanto, porém, é necessário que o usucapiente demonstre o exercício de posse com exclusividade sobre o bem, ou seja, com a exclusão da composse dos demais proprietários/condôminos do imóvel, durante o prazo legal (TJPR, 17ª CCv, ApCv 1088667-2, Rel. Des. Fernando Paulino da Silva Wolff Filho, DJPR 07/11/2014).
No caso dos autos, verifica-se pela Certidão ID Num. 21149780 – Pág. 25, que a mãe do Suscitado, deixou, além dele, que está a exercer com exclusividade a posse sobre o bem usucapiendo, mais 07 filhos, dos quais não se há notícia nos autos, sobre anuência, tolerância ou permissão, de si, seus cônjuges ou herdeiro, tal aquela manifestada pelo co-herdeiro, Euclides José Gomes, pelo que procede a negativa da Suscitante, a despeito de ter sido cumprida a exigência referente à procuração.
Em respaldo, ‘A ação de usucapião não é o instrumento adequado para o herdeiro postular o reconhecimento do domínio sobre um dos imóveis que devem ser partilhados nos autos de inventário, por conta da existência de outros bens e herdeiros.’ – (TJPR Ap .Cível 728315-8 Rel. Lauri Caetano da Silva 17ªCC DJU 23/03/2011).
Isso posto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE A DÚVIDA, recomendando à Ilustre Oficiala que não promova ao registro pretendido, facultando ao Suscitado o recurso à via judicial adequada.
Na decisão acima, entendeu-se ser necessária a manifestação expressa dos demais herdeiros para que fosse possível verificar a existência de posse exclusiva. Mas será a melhor alternativa negar a usucapião extrajudicial nesses casos?
O Superior Tribunal de Justiça entendeu ser possível a usucapião quando um dos adquirentes do imóvel exerceu a posse sobre o imóvel inteiro e não apenas sobre parte que tinha adquirido. No AgInt nos EDcl no AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 750.322 – MG (2015/0181640-0), foi reconhecida a posse exclusiva que gera a usucapião. Do inteiro teor do Acórdão e do Voto do MINISTRO PAULO DE TARSO SANSEVERINO, extrai-se:
Trata-se de agravo interno interposto por WALBERT DE MATTOS VIANNA – ESPÓLIO, representado por LUIZ CARVALHO VIANNA – INVENTARIANTE, em face de decisão assim ementada: “AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL (CPC/1973). AÇÃO DE USUCAPIÃO ORDINÁRIO. CONDOMÍNIO. POSSIBILIDADE DE USUCAPIR ÁREA COMUM. POSSE EXCLUSIVA SOBRE O BEM POR MAIS DE DEZ ANOS. COMPROVAÇÃO. REQUISITOS PREENCHIDOS. OFENSA AOS ARTS. 458 E 535 DO CPC/1973. INOCORRÊNCIA. REVISÃO DE MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 07/STJ. AGRAVO CONHECIDO PARA, DESDE LOGO, NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO ESPECIAL NA PARTE CONHECIDA.” (e-STJ fl. 566)
[…]
Nas razões do agravo, a parte agravante sustenta, em síntese, que, no caso em tela, a mera posse é insuficiente para excluir a propriedade dos demais coproprietários por prescrição aquisitiva, dada a natureza de sua aquisição e presunção de mandato; que se exige a demonstração e a comprovação da exclusividade; que deve ser suprida a omissão quanto à necessidade de exclusividade da posse em usucapião de lote vago em condomínio pro indiviso discutida entre coproprietários; bem como que não há falar em reexame de fatos e provas. É o relatório.
VOTO O EXMO. SR. MINISTRO PAULO DE TARSO SANSEVERINO (Relator):
Eminentes colegas, a irresignação não merece acolhida. Inicialmente, verifica-se que foi negado provimento ao recurso especial, em virtude da ausência de violação aos arts. 458, inciso II, e 535, inciso II, ambos do CPC/1973, bem como da incidência da Súmula 07/STJ (e-STJ fls. 566-571). A parte agravante, por sua vez, nas razões do presente agravo interno, alega que, no caso em tela, a mera posse é insuficiente para excluir a propriedade dos demais coproprietários por prescrição aquisitiva, dada a natureza de sua aquisição e presunção de mandato; que se exige a demonstração e a comprovação da exclusividade; que deve ser suprida a omissão quanto à necessidade de exclusividade da posse em usucapião de lote vago em condomínio pro indiviso discutida entre coproprietários; bem como que não há falar em reexame de fatos e provas. Destarte, percebe-se que razão não assiste ao recorrente. Com efeito, resta cristalino que os argumentos expostos no bojo do agravo interno não são aptos a desconstituir a decisão recorrida, uma vez que, além da patente incidência da Súmula 07/STJ, de fato, não houve transgressão aos arts. 458, inciso II, e 535, inciso II, ambos do CPC/1973. Ora, quanto à violação aos arts. 458, inciso II, e 535, inciso II, ambos do CPC/1973, vislumbra-se a não ocorrência de nulidade por omissão, obscuridade, contradição ou erro material, tampouco de negativa de prestação jurisdicional, uma vez que o v. acórdão concluiu, de modo integral e com fundamentação suficiente e clara, que “há prova suficiente da posse exercida pela apelada, preenchidos os requisitos exigidos para o reconhecimento da usucapião”, veja-se (e-STJ fls. 443-446/461):
Cuidam os autos de ação de usucapião extraordinária movida por Gilda Pires Vianna, sob o fundamento de que exerce a posse sobre os imóveis descritos na inicial desde 30/12/1960, de forma mansa, pacífica e sem oposição, pelo que faz jus à sua aquisição prescritiva. Narra a autora/apelada, na petição inicial, que seu falecido marido adquiriu, em meados dos anos de 1960, através de certidão registrada no Cartório do Segundo Oficio de Registro de Imóveis, 12 lotes juntamente com seu irmão (Walbet), sendo acordado que cada um ficaria com 06 (seis) lotes. Assevera que desde então, possui a posse pacifica, ininterrupta e sem oposição de todos os lotes. (…) Contudo, por se tratar de imóvel em condomínio, necessário se faz algumas considerações sobre a possibilidade de reconhecimento da usucapião no presente caso. Doutrinas e jurisprudências têm entendido que é possível a usucapião entre condôminos, quando a posse em área determinada ou sobre a totalidade do bem tenha sido exercida com exclusividade e sem qualquer reconhecimento da propriedade comum pelo condômino possuidor. (…) Desta feita, cumpre asseverar que o condômino possui legitimidade para ajuizar ação de usucapião desde que exerça a posse mansa, pacífica, incontestada e exclusiva, com animus domini, e por lapso de tempo superior a 20 (vinte) anos. Se forem preenchidos tais requisitos, estará apto a arguir a prescrição aquisitiva, a fim de promover a extinção do condomínio sobre a área usucapienda. (…) Assim sendo, perfeitamente possível a pretensão declinada na inicial, deve-se examinar estarem ou não preenchidos os requisitos exigidos para a usucapião extraordinária. Destaca-se que restou comprovado nos autos que a parte autora juntamente com seu marido exercia a posse do imóvel sub judice desde sua aquisição, em meados de 1960. Ressalta-se que as testemunhas foram enfáticas ao relatarem que a autora exercia a posse mansa e pacífica, contínua e incontestável dos imóveis usucapiendos há mais de 25 (vinte e cinco) anos. (…) Uma vez que a prova dos autos indica que a requerente possui o imóvel com “animus domini”, há mais vinte anos, caberia ao requerido/apelante a prova de fatos impeditivos, modificativos ou extintivos da pretensão deduzida na exordial. Assim, não tendo o réu se desincumbido do ônus de comprovar a precariedade da posse da autora, trazendo aos autos elementos hábeis a demonstrar que a existência de ato mera permissão ou tolerância, deve ser mantida a sentença hostilizada. Cumpre sopesar que ausente prova no sentido de que houve oposição por parte do condômino Sr. Walbet durante o período de posse ad usucapionem exercida pela apelante, sendo mister ressaltar que a existência de contestação não macula a posse preteritamente exercida. Dessa forma, entendo que há prova suficiente da posse exercida pela apelada, preenchidos os requisitos exigidos para o reconhecimento da usucapião. (e-STJ fls. 443-446) – g.n.
Assim, percebe-se que a irresignação não merece acolhida, restando patente o desprovimento do recurso especial, em razão da ausência de violação aos arts. 458 e 535 do CPC/1973, bem como da incidência da Súmula 07/STJ ao caso vertente. Ante o exposto, nego provimento ao agravo interno. Advirta-se que a oposição de incidentes processuais infundados dará ensejo à aplicação de multa por conduta processual indevida. É o voto. (grifos nossos)
Depreende-se do Acórdão acima que, para o STJ, provado que o usucapiente possui o imóvel com “animus domini”, pelo período de tempo necessário para a usucapião, caberia ao requerido a prova de fatos impeditivos, modificativos ou extintivos da pretensão. Caberia, pois, aos demais herdeiros comprovar a precariedade da posse daquele que pleiteia a usucapião, trazendo elementos hábeis a demonstrar a existência de ato mera permissão ou tolerância. Assim, a prova que deve ser feita pelo herdeiro usucapiente é a da posse exclusiva, não cabendo dele exigir que faça prova do ânimo dos demais herdeiros no que se refere à posse.
O Superior Tribunal de Justiça também entendeu ser possível a usucapião em caso de imóvel recebido por dois irmãos em herança, mas apenas um dele exercia a posse. No REsp 1631859/SP. A ementa do acórdão é abaixo reproduzida:
Ementa: DIREITO PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. SÚMULA 282/STF. HERDEIRA. IMÓVEL OBJETO DE HERANÇA. POSSIBILIDADE DE USUCAPIÃO POR CONDÔMINO SE HOUVER POSSE EXCLUSIVA.
1. Ação ajuizada 16/12/2011. Recurso especial concluso ao gabinete em 26/08/2016. Julgamento: CPC/73.
2. O propósito recursal é definir acercada possibilidade de usucapião de imóvel objeto de herança, ocupado exclusivamente por um dos herdeiros.
3. A ausência de decisão acerca dos dispositivos legais indicados como violados impede o conhecimento do recurso especial.
4. Aberta a sucessão, a herança transmite-se,desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários (art. 1.784 do CC/02).
5. A partir dessa transmissão, cria-se um condomínio pro indiviso sobre o acervo hereditário, regendo-se o direito dos co-herdeiros, quanto à propriedade e posse da herança, pelas normas relativas ao condomínio, como mesmo disposto no art. 1.791, parágrafo único, do CC/02.
6. O condômino tem legitimidade para usucapir em nome próprio, desde que exerça a posse por si mesmo, ou seja, desde que comprovados os requisitos legais atinentes à usucapião, bem como tenha sido exercida posse exclusiva com efetivo animus domini pelo prazo determinado em lei, sem qualquer oposição dos demais proprietários.
7. Sob essa ótica, tem-se, assim, que é possível à recorrente pleiteara declaração da prescrição aquisitiva em desfavor de seu irmão – o outro herdeiro/condômino -, desde que, obviamente, observados os requisitos para a configuração da usucapião extraordinária, previstos no art. 1.238 do CC/02, quais sejam, lapso temporal de 15 (quinze) anos cumulado com a posse exclusiva, ininterrupta e sem oposição do bem.
8. A presente ação de usucapião ajuizada pela recorrente não deveria ter sido extinta, sem resolução do mérito, devendo os autos retornar à origem a fim de que a esta seja conferida a necessária dilação probatória para a comprovação da exclusividade de sua posse, bem como dos demais requisitos da usucapião extraordinária.
9. Recurso especial parcialmente conhecido e, nesta parte, provido.
(REsp 1631859 / SP, Rel. Ministra Nancy Andrighi, 3ª. Turma, DJe 29/05/2018)
A Ministra Maria Isabel Gallotti no seu Voto Vista no AgInt no RECURSO ESPECIAL Nº 1.330.301 – MG (2012/0125415-0), deu verdadeira aula sobre a usucapião de posse recebida por herança, razão pela qual reproduzimos o referido voto vista, na parte que interessa ao presente artigo:
[…] E, quanto ao mérito, verifico assistir razão ao agravante. Com efeito, a leitura do trecho do acórdão acima transcrito pode levar a crer que se está a cuidar de abertura de inventário e de pedido de usucapião referentes a imóvel pertencente ao pai do agravante. Trata-se, todavia, de pedido de reconhecimento, em nome próprio, de usucapião de imóvel que não está registrado em nome de ninguém, nem do pai do autor e nem de seus antecessores. Mesmo se se tratasse de pedido de inventário de bem do pai do autor e de usucapião, a solução alvitrada por maioria pelo acórdão recorrido não me pareceria correta, pois o caso não seria de improcedência do pedido, mas de anulação do processo, com o retorno dos autos à origem para que os irmãos do autor fossem pessoalmente citados, a fim de defender seus interesses. Ocorre que se cuida de ação de usucapião de bem cuja posse era de Belarmina Cesária de Lima, falecida em 1920. É fato incontroverso que o imóvel foi ocupado, de forma mansa e pacífica, por décadas, pelos pais do autor. Quando estes faleceram, continuou o autor, com exclusividade, a nele residir, o que ocorre desde 18.3.1993, fatos estes não contestados e aceitos pela sentença e pelo acórdão recorrido.O pedido foi feito pelo autor em nome próprio, e não na condição de sucessor de seu pai (o qual também já havia usucapido o bem), alegando possuir com exclusividade o imóvel, no qual reside e desenvolve atividade econômica, por mais de 12 anos, desde o falecimento de seu pai, o que perfaz o prazo da prescrição aquisitiva previsto no art. 1.238, parágrafo único c/c art. 2.029 do Código Civil de 2002. Não houve contestação dos confrontantes e nem da Fazenda Pública Federal, Estadual e Municipal. Igualmente não houve oposição do IPHAN, ouvido por se tratar de imóvel tombado. Também não houve inconformismo algum por parte dos irmãos do autor da ação. Estes poderiam ter comparecido aos autos para alegar que a posse do autor era exercida com a tolerância dos co-herdeiros de falecido pai. Mas não o fizeram. […] . Ora, não se nega que os irmãos do autor poderiam requerer a partilha do bem desde a morte de seu pai em 1993. Mas essa providência competiria a eles e deveria ser tomada antes que viesse a ser usucapido por algum co-herdeiro ou por estranho. Não houve, repito, nenhuma objeção dos irmãos do autor à ação de usucapião, conforme observado pelo voto vencido. Não consta tenham eles requerido a partilha do bem.A circunstância de terem o direito de requerer a partilha não implica que tenham de fato exercido a composse do imóvel durante o prazo legal para o usucapião, a título de posse indireta, permitindo ou tolerando a posse exclusiva do irmão. Esse direito indiscutível – de requerer a partilha – não descaracteriza o fato incontroverso da posse mansa e pacífica exercida pelo autor, não constando tenha havido oposição por seus irmãos. […] A posse exclusiva do autor começou no dia em que seu pai faleceu e permaneceu ele residindo no imóvel, com animus de dono […] A questão de a ocupação do imóvel exclusivamente pelo autor desde a morte do pai ser decorrência de mera tolerância de seus irmãos não diz respeito ao termo inicial de sua posse exclusiva, mas ao caráter de sua posse, e poderia ter sido alegada como defesa pelos interessados, mas não o foi. […] Quanto aos irmãos do autor, caberia a eles requerer a partilha ou manifestar qualquer forma de oposição à usucapião, o que não houve.Tenho, portanto, e pedindo uma vez mais vênia ao eminente Relator, que estão satisfeitos os requisitos para o reconhecimento da usucapião extraordinária. Acrescento que o bem está bem descrito na inicial e, conforme consta dos autos, os confrontantes manifestaram não ter interesse na causa. Em face do exposto, dou provimento ao agravo interno e ao recurso especial, para julgar procedente o pedido de usucapião, com inversão dos ônus da sucumbência, estabelecendo os honorários de advogado em 10% sobre o valor da causa. É o voto. (sem grifos ou negritos no original)
Do voto acima reproduzido, constata-se, em resumo, que:
a) pedido de reconhecimento, em nome próprio, de usucapião de imóvel que não está registrado em nome de ninguém, nem do pai do autor e nem de seus antecessores.
b) o imóvel foi ocupado, de forma mansa e pacífica, por décadas, pelos pais do autor. Quando estes faleceram, continuou o autor, com exclusividade, a nele residir, o que ocorre desde 18.3.1993. A posse exclusiva do autor começou no dia em que seu pai faleceu e permaneceu ele residindo no imóvel, com animus de dono. A questão de a ocupação do imóvel exclusivamente pelo autor desde a morte do pai ser decorrência de mera tolerância de seus irmãos não diz respeito ao termo inicial de sua posse exclusiva, mas ao caráter de sua posse, e poderia ter sido alegada como defesa pelos irmãos do usucapiente, mas não o foi.
c) não houve contestação dos confrontantes e nem da Fazenda Pública Federal, Estadual e Municipal. Igualmente não houve oposição do IPHAN, ouvido por se tratar de imóvel tombado.
d) não houve inconformismo algum por parte dos irmãos do autor da ação. Estes poderiam ter comparecido aos autos para alegar que a posse do autor era exercida com a tolerância dos coerdeiros de falecido pai. Mas não o fizeram.
e) os irmãos do autor poderiam requerer a partilha do bem desde a morte de seu pai em 1993. Mas essa providência competiria a eles e deveria ser tomada antes que viesse a ser usucapido por algum coerdeiro ou por estranho. A circunstância de terem o direito de requerer a partilha não implica que tenham de fato exercido a composse do imóvel durante o prazo legal para o usucapião, a título de posse indireta, permitindo ou tolerando a posse exclusiva do irmão.
f) o direito indiscutível de requerer a partilha não descaracteriza o fato incontroverso da posse mansa e pacífica exercida pelo autor, não constando tenha havido oposição por seus irmãos.
Assim, para a Ministra Maria Isabel Gallotti, cabe ao usucapiente provar a posse, mas, se for o caso de existir mera tolerância, o ônus dessa prova cabe aos demais herdeiros, se quiserem afastar a posse exclusiva e, em decorrência, afastar a usucapião. A posse do herdeiro que morava com o genitor, no caso de falecimento daquele genitor, começa na data do falecimento.
O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, no processo nº 70072689938 (Nº CNJ: 0033108-20.2017.8.21.7000), publicado em 25 set. 2017, DJ eletrônico 6118-6, também entendeu ser possível a usucapião em caso de imóvel adquirido por herança. A ementa do referido acórdão abaixo se reproduz:
APELAÇÃO CÍVEL. USUCAPIÃO. IMÓVEL. HERANÇA. POSSE EXCLUSIVA DE HERDEIRO COMPROVADA.
1. Inocorrência de nulidade da citação editalícia. Preliminar afastada.
2. Em princípio, somente se admite a usucapião sobre imóvel adquirido por herança, em detrimento dos demais herdeiros, em hipóteses excepcionais, quando o usucapiente demonstrar o exercício de posse exclusiva durante o lapso temporal legalmente previsto e com animus domini.
Hipótese em que o demandante logrou êxito em comprovar a posse revestida de animus domini, pelo período suficiente ao reconhecimento da prescrição aquisitiva pretendida.
Sentença confirmada. Fixados honorários recursais.
NEGARAM PROVIMENTO AO APELO. UNÂNIME.
Do voto da Relatora, Dra. Marlene Marlei de Souza no processo nº 70072689938, reproduz-se a seguinte parte, na qual constam os requisitos a serem identificados para constatação da posse exclusiva:
No mérito, cinge-se do exame da viabilidade de reconhecimento da prescrição aquisitiva, em favor de um dos herdeiros, ora autor, de imóvel que constituiu herança.
[…]
A posse ad usucapionem é, assim, fática e decorre da submissão do bem ao possuidor, repousando em duas situações bem definidas: a atividade singular do possuidor e a passividade geral de terceiros, diante daquela atuação individual. Se ambas essas atitudes perduraram, contínua e pacificamente, por quinze anos ininterruptos – de acordo com a antiga norma – consuma-se a usucapião. Qualquer oposição subseqüente se mostrará inoperante, porque esbarrará ante o fato consumado.
Dessa forma, tem-se que o requisito mais importante a ensejar a usucapião é justamente a posse. Isso porque a usucapião é forma originária de aquisição da propriedade. Em outras palavras, “o adquirente torna sua a coisa, passando a exercer o domínio sobre ela sem que de outra pessoa tenha havido transmissão.”
Na hipótese, todavia, a controvérsia recai sobre a aquisição da propriedade de imóvel cujo autor é herdeiro, juntamente com outros herdeiros, ora apelantes.
E, no ponto, ao contrário do sustentado nas razões recursais, é possível a aquisição da propriedade, entre herdeiros e condôminos, desde que preenchidos os requisitos necessários para tanto.
Como é cediço, o herdeiro ou o condômino que pretender usucapir contra os consortes precisa alegar e provar que cessou de fato a composse, estabelecendo-se posse exclusiva pelo tempo necessário à usucapião, com os demais requisitos que esta requer. Na dúvida, presume-se que os atos são praticados em nome de todos, o que implica precariedade de posse, insuscetível, destarte, de ser usucapida.
Em outras palavras, para invocar utilmente a prescrição aquisitiva, quando um dos herdeiros alega o uso exclusivo da coisa, necessário que o condômino comprove, através de atos exteriores e perseverantes, a propalada posse individual.
E, no caso em apreço, o autor teve êxito em comprovar atos de posse exclusiva, desde a década de 70, conforme bem ressaltando pelo Parquet em seu parecer, fls. 211/213, in verbis:
“Conforme fora corretamente assentado pela decisão de piso, o autor Alberto Fruhwirth exerce a posse exclusiva sobre o imóvel usucapiendo desde a década de 70, arcando, também, com as despesas de manutenção do bem. A decisão recorrida lançou luz, inclusive, sobre a utilização social área, ao salientar que, por mais de 20 anos, os autores comprovaram o “pagamento dos tributos municipais (IPTU e contribuições de melhoria), instalação de energia elétrica, talões de produtor rural, enfim, a correta destinação social e econômica, dão conta da utilização do imóvel com ânimo de dono” (fl. 195v).
Nesse período, “os requeridos, ao que se apurou, jamais estiveram no local manifestando alguma intenção ou praticando algum ato revelador do interesse de manter o imóvel legitimamente sob o seu domínio” (fl. 195v).
Ademais, a prova testemunhal produzida nos autos, fls. 191/193, indica que os réus eram desconhecidos no local, o que corrobora ainda mais a versão dos demandantes de que exercem a posse exclusiva sobre o imóvel em discussão.
A propósito, o seguinte julgado:
APELAÇÃO CÍVEL. USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIO. SUCESSÃO. POSSE EXCLUSIVA DE HERDEIRO. COMPROVAÇÃO. TRANSMUTAÇÃO DO CARÁTER ORIGINÁRIO DA POSSE. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA MANTIDA. Aquisição da propriedade do imóvel por meio de herança. Exercício de posse exclusiva por um dos herdeiros, durante mais de vinte anos, sem intervenção dos demais. Transmutação do caráter da posse, oriunda de transmissão causa mortis, em conjunto com os demais herdeiros, mas cuja utilização, individual, com ânimo de dono, desde longa data, possibilitou a usucapião. NEGARAM PROVIMENTO. UNÂNIME. (Apelação Cível Nº 70021247291, Décima Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Cláudio Augusto Rosa Lopes Nunes, Julgado em 06/08/2009).
Nesse cenário, não pairam dúvidas a respeito do direito dos autores em se ver declarados como proprietários do imóvel, na medida em que amplamente demonstrados os requisitos necessários ao reconhecimento do pleito.
A manutenção da decisão, dessa forma, é de rigor.
Do exposto, VOTO em NEGAR PROVIMENTO AO APELO.
Em atendimento ao disposto no parágrafo 11º, do artigo 85, do Código de Processo Civil de 2015, presente a sucumbência recursal, vão majorados os honorários advocatícios do patrono dos autores, para R$1.500,00 (mil e quinhentos reais).
Do Acórdão do TJRS é possível destacar os seguintes requisitos para demonstrar a posse exclusiva, com a utilização do imóvel com ânimo de dono, durante o período de tempo exigido por lei:
a) arcar com as despesas de manutenção do bem;
b) pagar os tributos sobre o imóvel, como IPTU e contribuição de melhoria;
c) providenciar a instalação de energia elétrica e pagar as contas de luz,
d) em caso de imóvel rural, apresentar talões de produtor rural;
e) ausência completa dos demais herdeiros no período que interessa à usucapião, não revelando qualquer ato de interesse em manter o imóvel legitimamente sob o seu domínio.
Ainda no que se refere à herança, há um caso que tem tratamento jurídico diferente dos demais: é aquele da Usucapião Especial Urbana. Para Paulo Hermano Soares Ribeiro, havendo sucessão de direito de posse nos termos do Estatuto da Cidade, Lei 10.257/2001, art. 9º, § 3º, que se refere apenas a usucapião de área de até 250 m2, somente poderá usucapir o imóvel o herdeiro legítimo que continua a posse do seu antecessor, desde que já resida no imóvel por ocasião da abertura da sucessão. Se há, pois, diversos herdeiros, mas só um já residia no imóvel antes do falecimento do autor da herança, só ele pode continuar a posse para fins de usucapião. Por outro lado, se o período de 5 (cinco) anos para a usucapião já tiver completado antes do falecimento, o autor da herança terá adquirido o direito, que passa para todos os herdeiros, na regra geral da sucessão. (RIBEIRO, 2009)
3- COMO DEVE AGIR O TABELIÃO EM CASOS DE USUCAPIÃO DE ÁREA EM CONDOMÍNIO OU QUE CONSTITUI HERANÇA
Considerando todo o até aqui exposto, entendemos que, no caso de condomínio, cabe ao tabelião investigar se a posse do requerente é exclusiva, ou seja, se a posse é somente dele, de forma que os demais condôminos não podem utilizar a área que é objeto de usucapião, não se tratando de área essencial ao condomínio. É necessário também verificar se houve autorização do condomínio para uso da área, pois nesse caso não há posse que gera usucapião.
No caso de herança, a pesquisa deve ser ainda mais profunda, sendo importante verificar se o herdeiro que pleiteia a usucapião:
a) arca com as despesas de manutenção do bem;
b) paga os tributos sobre o imóvel, como IPTU e contribuição de melhoria;
c) paga as despesas condominiais, se for o caso, e participa das assembleias;
d) paga as contas de luz, água, telefone.
Além disso, é necessário verificar se os demais herdeiros são totalmente ausentes no período que interessa à usucapião, não revelando qualquer ato de interesse em manter o imóvel legitimamente sob o seu domínio.
Como é impossível que o tabelião verifique o ânimo dos demais herdeiros no que se refere ao imóvel usucapiendo, ou seja, se a vontade deles era abandonar o imóvel ou se apenas estavam permitindo ou tolerando que esse outro herdeiro o ocupasse, para evitar discussões, sendo possível, pode ser sugerido:
a) cessão de direitos dos demais herdeiros ao usucapiente: é possível que os demais herdeiros cedam seus direitos hereditários ao herdeiro usucapiente, mas será necessário o pagamento do Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doações – ITCD;
b) renúncia dos demais herdeiros à herança: existe a possibilidade de renúncia da herança, mas somente recomendamos esse caminho se efetivamente os herdeiros têm a vontade de renunciar. A renúncia é ato irrevogável, irretratável e definitivo, produzindo efeitos de maneira imediata. Além disso, a renúncia não admite condições ou encargos. Outra questão relevante é que, se todos os herdeiros da mesma classe renunciarem, serão beneficiados o da classe subseqüente. Assim, se todos os filhos renunciam à herança do pai, são chamados os netos, por cabeça, e não a viúva, conforme determina o art. 1.811 do Código Civil. E, se houver outro filho desconhecido do falecido, que venha a aparecer, a ele caberá toda a herança. Assim, apesar de na renúncia não incidir o ITCD, os riscos são enormes.
Entendemos que há algumas circunstâncias que demonstram a inexistência de posse exclusiva e que afastam, pois, a possibilidade de um herdeiro pleitear usucapião afastando o direito dos demais:
a) pagamento das despesas de condomínio e IPTU por outros herdeiros, que não aquele que tem a posse do imóvel;
b) pagamento de reformas, benfeitorias úteis, necessárias ou voluptuárias, pelos demais herdeiros;
c) cobrança pelos demais herdeiros de aluguel daquele que reside no imóvel;
d) contrato de comodato entre os demais herdeiros e aquele que reside no imóvel;
e) participação dos demais herdeiros nas reuniões de condomínio.
Essas, dentre outras, são formas de os demais herdeiros demonstrarem interesse no imóvel.
CONCLUSÃO
Diante de toda a exposição, é possível concluir que, mesmo para imóvel em situação de condomínio ou cuja posse tenha sido recebida por herança, é viável a lavratura da ata notarial para fins de usucapião, desde que o tabelião não identifique fato que afaste a alegada e demonstrada posse exclusiva. Quando se tratar de mera permissão ou tolerância, o uso de garagem comunitária ou de outras áreas comuns não constitui hipótese de posse que gera usucapião, por inexistir posse exclusiva.
Todos os fatos apurados e os comprovantes da existência da posse deverão constar da ata notarial. Entendemos não ser obrigatória na ata notarial a manifestação de todos os condôminos ou herdeiros, que deverão ser intimados pelo registrador no procedimento da usucapião.
Sendo cabível, no caso de herança, pode ser sugerida a cessão de direitos dos demais herdeiros ao usucapiente, mediante o pagamento do Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doações – ITCD. Existe também a via da renúncia dos demais herdeiros à herança, mas é preciso dar ciência aos herdeiros dos riscos inerentes a esta opção.
REFERÊNCIAS
COUTO, Marcelo de Rezende Campos Marinho. Usucapião Extrajudicial: doutrina, jurisprudência. Salvador: JusPodivum. 2018.
MOREIRA, Janete Gomes. Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Dúvida nº 5043420-65.2017.8.13.0024. Disponível em: https://pje.tjmg.jus.br/pje/ConsultaPublica/DetalheProcessoConsultaPublica/documentoSemLoginHTML.seam?ca=a278f63a785bca41f2539e0dafaa3725f952dfcb62546315ba2689b7e3c1ad536e3670e8cce0e78688d4b1ebb0b81c0f890eb4863dc5fd0d. Acesso em 5 mai. 2019.
NOBRE, Francisco José Barbosa. Manual da Usucapião Extrajudicial: de acordo com a Lei nº 13.465/2017, incluindo comentários ao Provimento nº 65 do CNJ. Ananindeua: Itacaiúnas, 2018.
RIBEIRO, Paulo Hermano Soares. Novo Direito Sucessório Brasileiro. Leme: Jhmizuno, 2009.
RIZZARDO, Arnaldo. Direito das Coisas. Rio de Janeiro: Forense, 2006.
SUPERIOR Tribunal de Justiça. AgInt nos EDcl no AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 750.322 – MG (2015/0181640-0). Voto do MINISTRO PAULO DE TARSO SANSEVERINO. Disponível em stj.jus.br. Acesso em 12 mai. 2019.
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SUPERIOR Tribunal de Justiça. Ministra Maria Isabel Gallotti. Voto Vista no AgInt no RECURSO ESPECIAL Nº 1.330.301 – MG (2012/0125415-0). Disponível em stj.jus.br. Acesso em 12 mai. 2019.
SUPERIOR Tribunal de Justiça. REsp 1631859/SP, Rel. Ministra Nancy Andrighi, 3ª. Turma, DJe 29/05/2018. Disponível em stj.jus.br. Acesso em 12 mai. 2019.
SUPERIOR Tribunal de Justiça. REsp 214680/SP, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, 4ª. Turma. DJ 16/11/1999. Disponível em stj.jus.br. Acesso em 12 mai. 2019.
TRIBUNAL de Justiça do Rio Grande do Sul. Processo nº 70072689938 (Nº CNJ: 0033108-20.2017.8.21.7000), publicado 25 set. 2017, DJ eletrônico 6118-6. Voto da Relatora, Dra. Marlene Marlei de Souza.
*Ana Clara Amaral Arantes Boczar – Graduada em Direito pela Faculdade Milton Campos (2015), pós-graduada em Direito Privado pela Universidade Cândido Mendes e pós-graduada em Direito Notarial e Registral pela parceria do Instituto Nacional de Direito e Cultura (Indic) com o Centro de Direito e Negócios (Cedin). Trabalhou como conciliadora voluntária no Tribunal de Justiça de Minas Gerais de 2016 a 2017. Advogada, atuou na área trabalhista entre 2015 e 2016. Atualmente, atua na área cível, nas esferas judicial e extrajudicial. Autora do livro Usucapião Extrajudicial.
** Daniela Bolivar Moreira Chagas – advogada com atuação nas áreas de direito imobiliário, notarial e registral. Especialista em Direito Registral e Notarial pela faculdade Milton Campos e em Direito Público pela ANAMAGES- Associação Nacional dos Magistrados Estaduais. Vice-presidente da Comissão de Direito Notarial e Registral e membro da Comissão de Direito Imobiliário, ambas da OAB/MG. Coautora do livro Temas Atuais da Comissão de Direito Notarial e Registral do Conselho Federal da Oab. Professora de direito registral nos cursos oferecidos em parceria na ESNOR – Escola Superior de Notários e Registradores e CORI – Colégio Registral Imobiliário Do Estado de Minas Gerais. Professora e co-coordenadora da pós-graduação em direito notarial e registral do Cedin Educacional em BH/MG.
*** Letícia Franco Maculan Assumpção – Graduada em Direito pela UFMG, pós-graduada, mestre e doutoranda em Direito. Oficial do Cartório do Registro Civil e Notas do Distrito de Barreiro, em Belo Horizonte, MG. Diretora do Instituto Nacional de Direito e Cultura – INDIC. Professora e co-coordenadora da Pós-Graduação em Direito Notarial e Registral na parceria INDIC-CEDIN. Presidente do Colégio Registral de Minas Gerais e Diretora do CNB/MG. Autora dos livros Notas e Registros, Casamento e Divórcio em Cartórios Extrajudiciais do Brasil e Usucapião Extrajudicial, além de diversos artigos na área do direito notarial e registral.
1 RIZZARDO, Arnaldo. Direito das Coisas. Rio de Janeiro: Forense, 2006, pg. 270.
2 COUTO, Marcelo de Rezende Campos Marinho. Usucapião Extrajudicial: doutrina, jurisprudência. Salvador: JusPodivum, 2018, p. 375.
3 COUTO, Marcelo de Rezende Campos Marinho. Usucapião Extrajudicial: doutrina, jurisprudência. Salvador: JusPodivum, 2018, p. 375 – 376.
4 COUTO, Marcelo de Rezende Campos Marinho. Usucapião Extrajudicial: doutrina, jurisprudência. Salvador: JusPodivum, 2018, p. 376.
5 NOBRE, Francisco José Barbosa. Manual da Usucapião Extrajudicial: de acordo com a Lei nº 13.465/2017, incluindo comentários ao Provimento nº 65 do CNJ. Ananindeua: Itacaiúnas, 2018, p. 105
6 COUTO, Marcelo de Rezende Campos Marinho. Usucapião Extrajudicial: doutrina, jurisprudência. Salvador: JusPodivum, 2018, p.. 374-375.
7 MOREIRA, Janete Gomes. Dúvida nº 5043420-65.2017.8.13.0024. Disponível em: https://pje.tjmg.jus.br/pje/ConsultaPublica/DetalheProcessoConsultaPublica/documentoSemLoginHTML.seam?ca=a278f63a785bca41f2539e0dafaa3725f952dfcb62546315ba2689b7e3c1ad536e3670e8cce0e78688d4b1ebb0b81c0f890eb4863dc5fd0d. Acesso em 5 mai. 2019.