A renúncia por Espólio, fundamentada no Art. 1.809 do Código Civil, é um tema pouco abordado extrajudicialmente e apresenta solução para casos envolvendo inventários cumulativos, ocasionando praticidade, celeridade e economia financeira ao procedimento.
No presente artigo será abordado o conceito jurídico sobre aceitação e renúncia de direitos hereditários, apresentando seus efeitos através de análise de caso concreto.
O princípio de “Saisine”, disposto no Art. 1.784, do Código Civil, esclarece que, aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários. Dessa forma, no momento da morte os bens do “de cujus” são transmitidos aos herdeiros aceitar ou não a herança, uma vez que ninguém é obrigado a suceder direitos e deveres advindos do falecido
A aceitação do direito hereditário, de acordo com Washington de Barros Monteiro¹, “é o ato jurídico pelo qual a pessoa chamada a suceder declara que deseja ser herdeiro e recolher a herança”. Essa manifestação pode ser expressa ou tácita, nos termos do art. 1.805 do Código Civil, que estabelece: “A aceitação da herança, quando expressa, faz-se por declaração escrita, quando tácita, há de resultar tão-somente de atos próprios da qualidade de herdeiro”.
Importante ressaltar que a admissão da qualidade de herdeiro é um ato irrevogável e irretratável. Uma vez aceita a herança, não há possibilidade de sua renúncia, conforme julgado pelo Superior Tribunal de Justiça – STJ².
“EMENTA: RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL. SUCESSÕES. HERANÇA. ACEITAÇÃO TÁCITA. ART. 1.804 DO CÓDIGO CIVIL. ABERTURA DE INVENTÁRIO.ARROLAMENTO DE BENS. RENÚNCIA POSTERIOR. IMPOSSIBILIDADE. ARTS. 1.809 E 1.812 DO CÓDIGO CIVIL. ATO IRRETRATÁVEL E IRREVOGÁVEL. 1. A aceitação da herança, expressa ou tácita, torna definitiva a qualidade de herdeiro, constituindo ato irrevogável e irretratável. 2. Não há falar em renúncia à herança pelos herdeiros quando o falecido, titular do direito, a aceita em vida, especialmente quando se tratar de ato praticado depois da morte do autor da herança. 3. O pedido de abertura de inventário e o arrolamento de bens, com a regularização processual por meio de nomeação de advogado, implicam a aceitação tácita da herança. 4. Recurso especial não provido.” (sem grifos no original)
A exemplo da aceitação, a renúncia aos direitos hereditários é um ato jurídico unilateral, irrevogável e irretratável e retroage à data do fato gerador (extunc), portanto, o renunciante deixa de ter a qualidade de herdeiro desde a abertura da sucessão, não tendo direitos e obrigações no que se refere aos bens que integram o espólio.
Há duas formas prescritas para renúncia da herança, por instrumento público ou termo judicial, não sendo admitida a renúncia parcial, nos termos dos arts. 1.806 e 1.808 do Código Civil Brasileiro.
O direito hereditário objeto de renúncia abdicativa acresce à parte dos outros herdeiros da mesma classe e, sendo o renunciante o único dessa classe, devolve-se o direito aos da subsequente, conforme citado por Sílvio de Salvo Venosa³:
“de forma mais sintética, considera-se o renunciante como se não existisse, como se nunca tivesse sido herdeiro. Assim, havendo três filhos herdeiros do “de cujus”: renunciando um deles toda a herança será dividida entre os dois remanescentes. Se fosse filho único, renunciando a herança iria ter aos netos, se existissem ou aos pais do morto”
Em casos envolvendo inventários cumulativos, em que ocorre falecimento de um ou mais herdeiros do autor da herança, há possibilidade dos sucessores renunciarem de forma abdicativa a seus quinhões hereditários, nos termos do parágrafo único do art. 1.809 do Código Civil Brasileiro.
Art. 1809. Falecendo o herdeiro antes de declarar se aceita a herança, o poder de aceitar passa-lhe aos herdeiros, a menos que se trate de vocação adstrita a uma condição suspensiva, ainda não verificada. Parágrafo único. Os chamados à sucessão do herdeiro falecido antes da aceitação, desde que concordem em receber a segunda herança, poderão aceitar ou renunciar a primeira. (sem grifos no original)
Vale ressaltar que a renúncia feita por herdeiro falecido não é aquela em que o espólio representado por seu inventariante repudia a herança, até porque nos termos do art. 1991 do Código Civil compete ao inventariante somente a administração dos bens, direitos e deveres que compõem o espólio. Trata-se, portanto, de transmissão do direito de aceitar ou não a herança, que passa a pertencer aos sucessores do herdeiro falecido.
Porém, há duas condições para a prática desse ato jurídico: é necessário que o herdeiro falecido não tenha aceitado a herança enquanto vivo e que os chamados à sucessão do herdeiro falecido aceitem a herança desse, de modo que, em nome dele, possam renunciar à herança. É o que determina a jurisprudência, exemplificada pelo acórdão cuja ementa é abaixo reproduzida:
“REGISTRO DE IMÓVEIS – Dúvida – Escrituras públicas de inventário e partilha e de renúncia de herança – Falecimento do herdeiro antes da aceitação da herança – Direito de renúncia à herança – Faculdade que passa ao herdeiro do herdeiro falecido, desde que aceite a herança deste (CC 1809, parágrafo único) – Recurso não provido com determinação.4 , (sem grifos no original)
No referido acórdão foi examinado caso em que o pai faleceu em 14.02.10, época em que estavam vivos todos os seus filhos. Mas quatro meses após o falecimento de seu pai um dos filhos, Renato, faleceu. O Acórdão esclareceu que, para que a mãe de Renato pudesse, em nome do filho, renunciar à herança deixada pelo pai dele, teria de concordar em receber a “segunda herança”, qual seja, a que ela receberia do próprio Renato.
No caso, porém, na mesma data da escritura de inventário e partilha, foi lavrada escritura pública específica de renúncia de herança pela qual a mãe renunciava aos direitos hereditários lhe cabiam na herança de seu filho Renato. Sendo assim, ela não poderia, em nome do filho Renato, renunciar aos seus direitos hereditários relativos ao pai dele. A inobservância da regra contida no parágrafo único, do art. 1.809. do Código Civil, frustra a renúncia pretendida pela mãe.
Portanto, importantíssima a compreensão do disposto no parágrafo único do art. 1.809, para evitar erro como aquele que objeto do Acórdão aqui mencionado.
Para melhor visualização da importância da renúncia, será examinado um caso concreto. João, proprietário de um único imóvel, faleceu em 2003, casado com Maria, sob o regime da comunhão universal de bens, tendo deixado apenas um filho de nome: José. Em 2021, o filho comum do casal, José, faleceu, solteiro e sem deixar filhos, portanto sua única herdeira é sua ascendente, Maria.
Para a formalização das transmissões causa mortis retro citadas seriam necessários dois procedimentos de inventário, de João e de seu filho, José. Na partilha do imóvel no primeiro inventário, o bem caberia 50% a Maria, como pagamento de sua meação, e os outros 50% a José, tendo em vista que ele era vivo quando do falecimento do seu ascendente. Em seguida, no inventário do José, seria adjudicado a Maria 50% do imóvel, percentual herdado por José no inventário de seu pai, tornando Maria a única proprietária do referido bem.
Contudo, José, enquanto vivo, não manifestou se aceitava a herança ou não de seu ascendente, por isso, exercendo a faculdade que a legislação brasileira permite, no art. 1.809 do Código Civil Brasileiro, Maria, na qualidade de única herdeira de José, aceitou a herança de José e renunciou por ele à herança de João. Nesse caso considera-se que o descendente jamais ocupou a condição de herdeiro, é como se ele não existisse.
Portanto, no inventário de João, coube à cônjuge sobrevivente a totalidade do bem, nos termos do art. 1.829, inciso III, do Código Civil Brasileiro. A renúncia na forma prevista no art. 1.809 do Código Civil é muito vantajosa para Maria, pois evita a necessidade de constar no inventário de José a parcela que lhe caberia do bem deixado por João, sendo o bem transferido para Maria, na totalidade do inventário de João.
O presente artigo teve por finalidade demonstrar a relevância e a aplicabilidade da renúncia em nome de herdeiro falecido. Com análise do conteúdo aqui exposto, bem como do caso concreto, demonstrou-se que a renúncia em nome de herdeiro falecido em casos de inventários cumulativos proporciona celeridade e economia ao procedimento de formalização das transmissões.
Foi examinado, ainda, que há duas condições para que essa renúncia em nome de herdeiro falecido possa ser feita: o herdeiro falecido não pode ter aceitado a herança enquanto vivo e os chamados à sucessão desse herdeiro falecido devem ter aceitado a herança desse. Assim, para que a aplicação do instituto seja feita de forma correta, é necessária cautela e rigor no estudo do caso concreto.