*Letícia Franco Maculan Assumpção
** Paulo Hermano Soares Ribeiro
1. Introdução. 2. Ecos de outro tempo. 3. Alinhamento entre fato e vontade. 4. Ressignificação. 4.1. Namoro qualificado. 5. O “contrato de namoro”. 5.1. As farpas da doutrina. 5.2. Viabilidade jurídica da declaração de negação. 6. A conveniência da escritura pública. 7. Conclusões. 8. Referências.
Se você quer ser minha namorada
Ah, que linda namorada
Você poderia ser
(…)
Porém, se mais do que minha namorada
Você quer ser minha amada …
(Vinicius de Moraes)
A essência da sociedade é a mudança. Assim como o movimento do rio cria um rio novo a cada instante1, a dinâmica das relações sociais estabelece paradigmas novos que impedem que a sociedade permaneça sempre a mesma. Essa mobilidade é inerente também ao modo como as pessoas externam suas relações afetivas, ainda que não autorizem perscrutar a extensão de seu afeto, não profanável, cuja medida será sempre um inalcançável segredo delas.
Ainda que não concorde com o novo, reconhecer a impermanência de paradigmas é ato de honestidade do jurista, cujo dever imediato é o de ajustar os institutos jurídicos, traduzi-los para que não percam a utilidade, mesmo que isso signifique a quebra de dogmas e fragmentação de certezas até então sólidas e confortáveis. Recusar a mudança ou atentar contra ela é cometer o equívoco de supor que a reforma (ou permanência) pode se dar a golpes de leis.
Certamente que identificada a demanda contemporânea pelo contrato de namoro, o jurista não deve enclausurar a têmpera nova nas roupas antigas, costuradas para outro tempo. O modo, profundidade ou gravidade com que as entidades familiares se manifestam refletem inevitavelmente o tempo presente, tornando obsoleta a leitura social com filtros antigos.
É inegável a revolução permanente que vivemos2, e, por ser permanente, nossas vidas ainda estão sendo escritas, sujeitas a curvas desconhecidas, mas impossíveis de serem ignoradas3.
Para compartilhar afeto, sem carregar os efeitos patrimoniais imediatos e indesejados próprios da entidade familiar, emerge a sugestão de um negócio jurídico de negação, ainda com denominações precárias como Declaração de Intenções Afetivas, Pacto Afetivo ou Contrato de Namoro4, sendo esse último o mais coloquial. Qualquer que seja a denominação, trata-se de instrumento que pretende refletir a mais lídima autonomia privada existencial, em razão das preocupações da contemporaneidade.
São vários os dilemas que se ocultam por detrás da ideia do contrato de namoro, dentre eles a dimensão do conceito de família, o vigor da autonomia privada existencial, a viabilidade do contrato e a persistência solitária do fato para configurar a união estável.
No presente artigo, discutem-se alguns desses dilemas, os fundamentos daquele negócio jurídico e a sua formalização por via da escritura pública.
Até o final do século passado, o conceito de família era monopolizado por uma única máscara – o casamento – que a empenava com o peso de aspectos religiosos e metafísicos, dentre eles o mito da indissolubilidade, que frequentou as constituições brasileiras5, harmonizado com o discurso da célula mater da sociedade, cuja desintegração colocaria em risco a própria civilização. A dissolução do casamento deveria ser evitada, ainda que essa fosse a vontade dos casados. Evidência desse passado recente é o Curador do Vínculo presente no Código de 1916; tratava-se de um terceiro incumbido de defender a manutenção do casamento, mesmo contra a vontade expressa dos cônjuges6.
A possibilidade da ruptura do vínculo conjugal ingressou tardiamente no sistema pela Lei nº 6.515 de 26/12/1977, alcunhada de Lei do Divórcio, que regulou os casos de dissolução da sociedade e do vínculo conjugal, regulamentando a Emenda Constitucional nº 9, de 28 de junho de 1977.
Antes da Lei do Divórcio, havia a possibilidade de ruptura da sociedade conjugal pelo desquite, terminologia depreciativa que antecedeu a separação – judicial ou extrajudicial, mas sem rompimento do vínculo.
Dentre outras consequências, o monopólio do casamento na identificação da família, legítima e protegida, cumulado com a impossibilidade de ruptura do vínculo pelo divórcio, conduzia as pessoas a buscar saídas à margem da norma. Em uma crítica sensível e adequada, Virgílio de Sá Pereira, ainda na década de 1950, escrevia que do mesmo modo que o jardineiro não cria a primavera também o legislador não cria a família, porque soberano não é o legislador, soberana é a vida, plantando sementes poderosas para a revolução que viria algumas décadas depois, amparada nas certezas congênitas da natureza humana:
o homem quer obedecer ao legislador, mas não pode desobedecer à natureza, e por toda a parte ele constitui a família, dentro da lei, se é possível, fora da lei, se é necessário.7
E, efetivamente, as pessoas obedeceram a natureza e constituíram família fora do casamento. Contudo a norma, ressentida, relegou à marginalidade aquelas relações não matrimonializadas, permitindo que fossem marcadas com o ferro das terminologias pejorativas como concubinato, mancebia, amigação, contubérnio etc.
As relações deviantes do casamento, a princípio, não gozavam de prestígio, e demoraram muito para merecer proteção legal. Pode-se dizer que foi o movimento da sociedade que compeliu o legislador a não desviar o olhar do mundo da vida, até resultar, lentamente, na norma constitucional que positivou a União Estável como entidade familiar.
O ingresso da União Estável, positivada expressamente no sistema pela porta nobre da Constituição da República, retirou definitivamente do casamento o monopólio da família; trazendo reconhecimento e respeitabilidade a outro arranjo familiar, dessa vez emergente do fato, sem lenço e sem documento, comprovando a expressão de Virgílio de Sá Pereira, segundo o qual, família é fenômeno que “excede à moldura em que o legislador a enquadra”.8
O ânimo gerado pelo reconhecimento da União Estável como entidade familiar encaminhou doutrina e jurisprudência no esforço de não se criar uma família de segunda classe, quando cotejada com o casamento.
O modo como foi captada pelo legislador, resultado da demanda por reconhecimento e de um vício histórico na compreensão da conjugalidade a partir do casamento, fez da União Estável um negócio jurídico eminentemente protetivo, presumindo uma suposta vulnerabilidade de seus protagonistas, e, por essa razão principal, a configuração da união passou a depender menos da vontade declarada e mais de um conjunto de fatos, nos termos do artigo 1.723 da Lei n. 10.406/2002 (Código Civil Brasileiro). Em síntese, a União Estável, compreendida como uma exteriorização do casamento, dependeria apenas da observação externa para sua identificação.
Essa posição doutrinária, com relevantes defensores, construiu uma narrativa sobre União Estável que despreza a vontade dos afetados, aproximando-a do ato-fato jurídico:
Por ser ato-fato jurídico (ou ato real), a união estável não necessita de qualquer manifestação de vontade para que produza seus jurídicos efeitos. Basta sua configuração fática, para que haja incidência das normas constitucionais e legais cogentes e supletivas e a relação fática converta-se em relação jurídica.9
No mesmo sentido, além do Paulo Lobo10, Rodrigo da Cunha Pereira11, Maria Berenice Dias12, João Rubens Pires e Renata Carlos Steiner13, dentre outros.
Contudo, não parece ser essa a melhor compreensão da União Estável, principalmente se consideramos que a pessoa, no exercício de sua individualidade e subjetividade, escolhe livremente seus afetos e a intensidade que deseja dar a eles. “O afeto é matéria-prima da subjetividade”.14
Não parece razoável alijar a vontade da configuração da União Estável, seja por se tratar de elemento subjetivo expresso na norma, seja por seu afastamento conformar uma inexplicável infantilização dos sujeitos afetivos.
A afirmação de que a União Estável seria uma mera situação de fato ou um ato-fato jurídico é recusada por parte da doutrina. Dentre outros, Flávio Tartuce contrapõe a ideia com a evidente possibilidade de as partes regulamentarem suas pretensões por meio do exercício da autonomia privada, o que seria inviável no ato-fato.15
A manifestação de vontade, que não pode ser silenciada, dá um novo sentido às relações afetivas, customizando-as. Cresce a relevância do elemento volitivo, ao lado dos elementos fáticos, tornando muito mais coerente o vislumbre da União Estável na sua dupla composição de elementos objetivos e elemento subjetivo.
O próprio texto legal, ao descrever os elementos nucleares da União Estável, traz pressupostos objetivos e subjetivos para sua configuração. O pressuposto subjetivo, elegantemente descrito como objetivo de constituição de família (CC/2002, art. 1723), desperta para uma necessária manifestação consciente da vontade, paritariamente alinhada com os requisitos objetivos do suporte fático. Na expressão de Zeno Veloso, o pressuposto subjetivo, de ordem interna e moral, apresenta-se como a “convicção de que se está criando uma entidade familiar, assumindo um verdadeiro e firme compromisso, com direitos e deveres pessoais e patrimoniais semelhantes aos que decorrem do casamento.”16
A doutrina que valoriza a vontade na configuração da União Estável, à qual nos filiamos, se mostra muito mais consentânea com a gravidade dos efeitos gerados nessa modalidade de família. Rolf Madaleno advoga a indissociabilidade da intenção
(…) porque, tal como ocorre no casamento, também na união estável não há como reconhecer a sua constituição se a relação for destituída do informal consentimento, este identificado pela dupla vontade dos conviventes em convergirem para a formação de uma família em estado de comunhão plena de vida.17
Com ênfase semelhante, Carlos Roberto Gonçalves argumenta a essencialidade do elemento espiritual “caracterizado pelo ânimo, a intenção, o firme propósito de constituir uma família, enfim, a affectio maritalis”18. Para Fernanda Dias Xavier, “diferente do casamento que pode existir sem o afeto e o desejo comum de constituir família, a união estável não sobrevive sem a affectio maritalis (…)”.19
Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald reconhecem o intuito de constituir família como requisito principal para a caracterização da União Estável, aduzindo que,
(…) se a Constituição Federal confere status de entidade familiar à união estável, gozando, por conseguinte, de tutela estatal, não poderão ser admitidos como tais os relacionamentos livres (e até mesmo, duradouros), mas desprovidos da intenção de criar laços familiares.
Trata-se, efetivamente, da firme intenção de viver como se casados fossem.
(…) Com isso, o animus familiae é elemento subjetivo, dizendo respeito à intenção do casal de estar vivendo como se fossem casados.20
Renata Almeida e Walsir Junior afastam o absolutismo fático e concordam que sem o intuitu familiae não se caracteriza a união estável, sendo esse intuito “fruto do requintado contorno já obtido pelo afeto” mútuo. A família formada é o resultado da pretensão dos companheiros:
(…) o elementar para se reconhecer a união estável é a verdadeira vontade dos companheiros de, entre si, estabelecer uma família. Se isso é depreciado, assume-se o risco de impor a existência familiar àqueles que não a pretenderam. Risco que se mostra considerável, dado que a liberação dos costumes, na atualidade, pode propiciar confusão das situações familiares e não familiares.21
Ainda mais contundente é a expressão de Carvalho Filho ao aduzir que, ainda que haja eventual contrato escrito, convivência pública e duradoura, com relações sexuais, com prole, e, até mesmo, com certo compartilhamento de teto, não haverá União Estável se não estiver “presente o elemento fundamental consistente em desejar constituir família”.22
Os novos paradigmas reclamam interpretações atualizadas. Se o caráter protetivo da União Estável exigiu, em determinado momento histórico, a construção doutrinária e jurisprudencial que desse maior ênfase aos elementos fáticos apreciáveis pelos sentidos, mitigando a importância da intenção ou vontade, esse raciocínio já não encontra mais terra firme nos dias de hoje.
A deliberação dos que protagonizam a relação, em consciente e apreensível manifestação de vontade, não deve ser silenciada. Pelo contrário, a intenção manifesta deve comparecer ao lado dos pressupostos fáticos, sem hierarquia, tornando muito mais coerente o vislumbre da União Estável na dupla composição de elementos objetivos e subjetivo.
Pondere-se, contudo, que a manifestação expressa dos companheiros, declarando sua deliberação livre e consciente de constituir família pela união estável, não é exigência legal. A intenção pode ser manifestada expressamente, mas na maioria dos casos ela é tácita, derivando apenas do comportamento. E, se não houve manifestação expressa, o elemento subjetivo – intenção de constituir família – deverá ser apurado a partir dos elementos objetivos – convivência pública, contínua e duradoura, como família, conforme a dicção do art. 1.723 do Código Civil Brasileiro.
É inegável que o modo como as pessoas se relacionam atualmente diverge de como faziam há algumas décadas, comportamento que interfere na compreensão dos conceitos jurídicos, especificamente, no que interessa ao presente artigo, nos conceitos históricos de família, União Estável e namoro. Trata-se de uma reforma em andamento, pois nossas vidas ainda estão sendo escritas, ou, na expressão de Zygmunt Bauman, trata-se de uma revolução permanente:
o mundo líquido-moderno está num estado de revolução permanente, um estado que não admite as revoluções de uma só vez, os “eventos singulares” que constituem lembranças dos tempos da modernidade “sólida”.23
A dinâmica da sociedade, no que se refere aos costumes e comportamentos, é bem visível ao longo da histórica recente. A título de exemplo, a família, em tempos relativamente próximos, era hierarquizada e concentradora de poderes na figura masculina provedora e economicamente ativa. Foi preciso que a mulher deixasse sua posição doméstica e se encontrasse no mercado de trabalho para alcançar um esboço de igualdade. Também a sexualidade, exercida com liberdade pelo homem, somente passou a ser mais bem usufruída pela mulher após a pílula contraceptiva feminina. Esses são apenas alguns poucos exemplos de alterações fundamentais na dinâmica da sociedade que obrigaram o jurista a uma reciclagem completa.
A metanarrativa sólida das relações permanentes e indissolúveis, capazes de sobreviver aos piores vendavais, responsável pela construção patrimonial alcançada depois de anos sem fim, justificou a intervenção do Estado para a proteção das partes caso o projeto comum fosse abatido (obrigando a partilha de bens e pensão de alimentos etc). Aquela metanarrativa foi substituída pela fugacidade de relacionamentos, cuja durabilidade é coberta de incertezas.
É cada vez mais comum um desejo de customização de relacionamentos, preenchido com níveis importantes de envolvimento e sexualidade, mas desacompanhados de interesses imediatos mais profundos. Negar o roteiro definido pelo legislador e descumprir o destino desejado pelo Estado parecer ser a nova regra. Rodrigo da Cunha Pereira diagnostica que
(…) um dos elementos diferenciadores entre namoro e o então chamado concubinato era a presença de relações sexuais. Com isto era fácil dizer se aquela relação era namoro ou união estável. Hoje, a maioria dos casais de namorados mantém relações sexuais, e esta se tornou um dos ingredientes saudáveis da relação, já que o casamento não é mais a única forma de legitimar as relações sexuais. Portanto, já não há mais este elemento que era determinante para a distinção entre uma e outra relação. E assim o limite ficou ainda mais estreito.24
Uma relação de namoro nos dias presentes, dentro de uma normalidade contemporânea, é permissiva de envolvimento físico e material, capaz de preencher requisitos objetivos da União Estável, ainda que esse não seja o imediato ou real desejo dos envolvidos. Pelo contrário, no panorama presente, apesar do envolvimento profundo, a intenção de namorar permanece inalterada, sem transbordar o mero exercício de aproximação para conhecimento do outro.
Maria Berenice Dias reconhece que com “a evolução dos costumes, a queda do tabu da virgindade, a enorme velocidade com que se estabelecem os vínculos afetivos” é difícil identificar o que é namoro e o que é união estável, “até porque, no mais das vezes, um do par acha que está só namorando e o outro acredita estar vivendo em união estável.”25
Antes do desiderato de formação da família, sob as máscaras de casamento ou união estável, os relacionamentos se iniciam de forma mais fluida, menos invasivos ou comprometedores. A amizade, o “ficar” com suas variáveis, o “rolo”, o namoro presencial ou virtual, são degraus primevos de uma escala do afeto que, no futuro, podem ou não redundar na formação do vínculo familiar, com todas as consequências patrimoniais inerentes.26
A densidade e envolvimento físico importantes, característicos do modo como as pessoas se relacionam no namoro, emprestam a ele um fim em si mesmo, maior do que sua vocação originária de preparação para um relacionamento mais profundo, mas, ainda assim, embora seja um porto próximo da constituição de família, mantém-se a fugacidade e incerteza.
Para oferecer uma medida, dar nome à coisa e não precisar apontar com o dedo, a modalidade de relacionamento presente na contemporaneidade, situada entre namoro e união estável, tem sido denominada de namoro qualificado.
O namoro qualificado, reflexo da atualização e flexibilização de costumes, tem sido objeto de menções doutrinárias, no sentido de ser denso o suficiente para se assemelhar à união estável, mas também ser despretensioso o bastante para dela se distanciar. O ponto de afastamento é exatamente o pressuposto subjetivo: falta aos atores a intenção de formar a família tradicional e protegida, cujo projeto fica para um futuro não datado.
Essa compreensão de um namoro qualificado, embora recente, foi bem absorvida pela doutrina e jurisprudência. Zeno Veloso, com argúcia e autoridade, fez a leitura didática da dinâmica dos novos tempos, evidenciando o comportamento base e seu consectário jurídico:
Numa feição moderna, aberta, liberal, especialmente se entre pessoas adultas, maduras, que já vêm de relacionamentos anteriores (alguns bem-sucedidos, outros nem tanto), eventualmente com filhos dessas uniões pretéritas, o namoro implica, igualmente, convivência íntima – inclusive, sexual -, os namorados coabitam, frequentam as respectivas casas, comparecem a eventos sociais, viajam juntos, demonstram para os de seu meio social ou profissional que entre os dois há uma afetividade, um relacionamento amoroso. E quanto a esses aspectos, ou elementos externos, objetivos, a situação pode se assemelhar – e muito – a uma união estável. Parece, mas não é! Pois falta um elemento imprescindível da entidade familiar, o elemento interior, anímico, subjetivo: ainda que o relacionamento seja prolongado, consolidado, e por isso tem sido chamado de ‘namoro qualificado’, os namorados, por mais profundo que seja o envolvimento deles, não desejam e não querem – ou ainda não querem – constituir uma família, estabelecer uma entidade familiar, conviver numa comunhão de vida, no nível do que os antigos chamavam de affectio maritalis. Ao contrário da união estável, tratando-se de namoro – mesmo do tal namoro qualificado -, não há direitos e deveres jurídicos, mormente de ordem patrimonial entre os namorados. Não há, então, que falar-se de regime de bens, alimentos, pensão, partilhas, direitos sucessórios, por exemplo.27
Maria Rúbia Cattoni Poffo leciona que, na relação de namoro qualificado, a condição de conviventes não é assumida porque esse simplesmente não é o desejo dos namorados e podem fazê-lo por quê:
são livres e desimpedidos, mas não tencionam naquele momento ou com aquela pessoa formar uma entidade família. Nem por isso vão querer se manter refugiados, já que buscam um no outro a companhia alheia para festas e viagens, acabam até conhecendo um a família do outro, posando para fotografias em festas, pernoitando um na casa do outro com frequência, ou seja, mantêm verdadeira convivência amorosa, porém, sem objetivo de constituir família.
E deve-se permitir que estas pessoas, que pretendem namorar sem criar direitos e deveres entre si, possam se relacionar sem o receio de serem lesadas quando tiver fim a relação afetiva. Caso contrário, as relações não serão mais amorosas, mas sim negociais, de modo que antes de iniciaram qualquer aproximação, os pares deverão celebrar contrato de namoro para resguardarem seu patrimônio.28
Nas palavras de Christiano Cassettari, o namoro qualificado “existe quando há prática da relação amorosa e sexual madura, entre pessoas maiores e capazes” sem o objetivo de constituir família.29 Para Menezes da Costa, trata-se de:
relação amorosa adulta, madura, consciente, em que o par voluntariamente opta por não assumir nenhum compromisso um com o outro, apesar da publicidade da relação, e mesmo da continuidade.30
Rolf Madaleno reconhece o surgimento do fenômeno como resultado da moderna liberdade sexual e da fluidez dos (não) compromissos talhados para um rompimento sem consequências:
Com a liberdade sexual e a facilidade dos rompimentos afetivos, sem se revestir das características de um casamento ou de uma união estável surge, o denominado “namoro estável ou qualificado”, reservado para aqueles pares que querem ter o direito de não assumirem qualquer compromisso entre eles e muito menos tencionam constituir família (…)31
Também a jurisprudência tem absorvido os insumos da doutrina na matéria. O Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Especial nº 1.454.643-RJ, reconheceu a evidência do namoro qualificado, como fenômeno excludente da União Estável, posto que naquele a intenção de constituir família é proclamada para o futuro, enquanto nesta é uma realidade que deve estar “presente durante toda a convivência, a partir do efetivo compartilhamento de vida, com irrestrito apoio moral e material entre os companheiros. É dizer: a família deve, de fato, restar constituída”, conforme ementa a seguir:
RECURSO ESPECIAL E RECURSO ESPECIAL ADESIVO. AÇÃO DE RECONHECIMENTO E DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL, ALEGADAMENTE COMPREENDIDA NOS DOIS ANOS ANTERIORES AO CASAMENTO, C.C. PARTILHA DO IMÓVEL ADQUIRIDO NESSE PERÍODO. 1. ALEGAÇÃO DE NÃO COMPROVAÇÃO DO FATO CONSTITUTIVO DO DIREITO DA AUTORA. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. 2. UNIÃO ESTÁVEL. NÃO CONFIGURAÇÃO. NAMORADOS QUE, EM VIRTUDE DE CONTINGÊNCIAS E INTERESSES PARTICULARES (TRABALHO E ESTUDO) NO EXTERIOR, PASSARAM A COABITAR. ESTREITAMENTO DO RELACIONAMENTO, CULMINANDO EM NOIVADO E, POSTERIORMENTE, EM CASAMENTO. 3. NAMORO QUALIFICADO. VERIFICAÇÃO. REPERCUSSÃO PATRIMONIAL. INEXISTÊNCIA. 4. CELEBRAÇÃO DE CASAMENTO, COM ELEIÇÃO DO REGIME DA COMUNHÃO PARCIAL DE BENS. TERMO A PARTIR DO QUAL OS ENTÃO NAMORADOS/NOIVOS, MADUROS QUE ERAM, ENTENDERAM POR BEM CONSOLIDAR, CONSCIENTE E VOLUNTARIAMENTE, A RELAÇÃO AMOROSA VIVENCIADA, PARA CONSTITUIR, EFETIVAMENTE, UM NÚCLEO FAMILIAR, BEM COMO COMUNICAR O PATRIMÔNIO HAURIDO. OBSERVÂNCIA. NECESSIDADE. 5. RECURSO ESPECIAL PROVIDO, NA PARTE CONHECIDA; E RECURSO ADESIVO PREJUDICADO.
1. O conteúdo normativo constante dos arts. 332 e 333, II, da lei adjetiva civil, não foi objeto de discussão ou deliberação pela instância precedente, circunstância que enseja o não conhecimento da matéria, ante a ausência do correlato e indispensável prequestionamento.
2. Não se denota, a partir dos fundamentos adotados, ao final, pelo Tribunal de origem (por ocasião do julgamento dos embargos infringentes), qualquer elemento que evidencie, no período anterior ao casamento, a constituição de uma família, na acepção jurídica da palavra, em que há, necessariamente, o compartilhamento de vidas e de esforços, com integral e irrestrito apoio moral e material entre os conviventes. A só projeção da formação de uma família, os relatos das expectativas da vida no exterior com o namorado, a coabitação, ocasionada, ressalta-se, pela contingência e interesses particulares de cada qual, tal como esboçado pelas instâncias ordinárias, afiguram-se insuficientes à verificação da affectio maritalis e, por conseguinte, da configuração da união estável.
2.1 O propósito de constituir família, alçado pela lei de regência como requisito essencial à constituição da união estável – a distinguir, inclusive, esta entidade familiar do denominado “namoro qualificado” -, não consubstancia mera proclamação, para o futuro, da intenção de constituir uma família. É mais abrangente. Esta deve se afigurar presente durante toda a convivência, a partir do efetivo compartilhamento de vidas, com irrestrito apoio moral e material entre os companheiros. É dizer: a família deve, de fato, restar constituída.
2.2. Tampouco a coabitação, por si, evidencia a constituição de uma união estável (ainda que possa vir a constituir, no mais das vezes, um relevante indício), especialmente se considerada a particularidade dos autos, em que as partes, por contingências e interesses particulares (ele, a trabalho; ela, pelo estudo) foram, em momentos distintos, para o exterior, e, como namorados que eram, não hesitaram em residir conjuntamente. Este comportamento, é certo, revela-se absolutamente usual nos tempos atuais, impondo-se ao Direito, longe das críticas e dos estigmas, adequar-se à realidade social.
3. Da análise acurada dos autos, tem-se que as partes litigantes, no período imediatamente anterior à celebração de seu matrimônio (de janeiro de 2004 a setembro de 2006), não vivenciaram uma união estável, mas sim um namoro qualificado, em que, em virtude do estreitamento do relacionamento projetaram para o futuro – e não para o presente -, o propósito de constituir uma entidade familiar, desiderato que, posteriormente, veio a ser concretizado com o casamento.
4. Afigura-se relevante anotar que as partes, embora pudessem, não se valeram, tal como sugere a demandante, em sua petição inicial, do instituto da conversão da união estável em casamento, previsto no art. 1.726 do Código Civil. Não se trata de renúncia como, impropriamente, entendeu o voto condutor que julgou o recurso de apelação na origem. Cuida-se, na verdade, de clara manifestação de vontade das partes de, a partir do casamento, e não antes, constituir a sua própria família.
A celebração do casamento, com a eleição do regime de comunhão parcial de bens, na hipótese dos autos, bem explicita o termo a partir do qual os então namorados/noivos, maduros que eram, entenderam por bem consolidar, consciente e voluntariamente, a relação amorosa vivenciada para constituir, efetivamente, um núcleo familiar, bem como comunicar o patrimônio haurido. A cronologia do relacionamento pode ser assim resumida: namoro, noivado e casamento.
E, como é de sabença, não há repercussão patrimonial decorrente das duas primeiras espécies de relacionamento.
4.1 No contexto dos autos, inviável o reconhecimento da união estável compreendida, basicamente, nos dois anos anteriores ao casamento, para o único fim de comunicar o bem então adquirido exclusivamente pelo requerido. Aliás, a aquisição de apartamento, ainda que tenha se destinado à residência dos então namorados, integrou, inequivocamente, o projeto do casal de, num futuro próximo, constituir efetivamente a família por meio do casamento.
Daí, entretanto, não advém à namorada/noiva direito à meação do referido bem.
5. Recurso especial provido, na parte conhecida. Recurso especial adesivo prejudicado.
(REsp 1454643/RJ, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 03/03/2015, DJe 10/03/2015)
Na esteira da decisão do STJ, os tribunais estaduais, dentre eles o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), tem reconhecido e declarado esse fenômeno, realçando a indispensabilidade do elemento volitivo para configuração da união estável:
APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE RECONHECIMENTO DE UNIÃO ESTÁVEL POST MORTEM – UNIÃO ESTÁVEL – REQUISITOS NÃO ATENDIDOS – NAMORO QUALIFICADO – PRECEDENTES DO STJ – SENTENÇA MANTIDA.
(…)
O STJ já enunciou que “o propósito de constituir família, alçado pela lei de regência como requisito essencial à constituição da união estável – a distinguir, inclusive, esta entidade familiar do denominado “namoro qualificado” -, não consubstancia mera proclamação, para o futuro, da intenção de constituir uma família. É mais abrangente. Esta deve se afigurar presente durante toda a convivência, a partir do efetivo compartilhamento de vida, com irrestrito apoio moral e material entre os companheiros. É dizer: a família deve, de fato, restar constituída”. (Resp. 1.454.643/RJ – Relator Min. Marco Aurélio Bellizze – Terceira Turma – Dje.: 10/03/2015)
Embora se trate de uma relação duradoura, pública e contínua, pelo acervo probatório dos autos, não há prova de que existia o objetivo de constituir família, mas apenas um plano futuro e hipotético de casamento, o que é comum à maioria dos relacionamentos, pelo que se trata de um namoro qualificado e não de uma união estável, devendo ser mantida a sentença de improcedência.
Recurso conhecido e não provido. (TJMG – Apelação Cível 1.0177.14.000338-1/002, Relator(a): Des.(a) Fábio Torres de Sousa , 8ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 25/11/2021, publicação da súmula em 14/12/2021)
APELAÇÃO CÍVEL – DIREITO DE FAMÍLIA – AÇÃO DE RECONHECIMENTO E DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL C/C PARTILHA DE BENS – AUSÊNCIA DE ANIMUS FAMILIAE – NAMORO QUALIFICADO QUE NÃO REÚNE OS REQUISITOS DA UNIÃO ESTÁVEL.
(…)
2. O relacionamento amoroso ocasional, concomitante a outros relacionamentos íntimos mantidos por um dos parceiros, sem mútua contribuição financeira, demonstra o desinteresse de constituição de laços afetivos duradouros e com a finalidade de constituir família. (TJMG – Apelação Cível 1.0432.18.002943-6/001, Relator(a): Des.(a) Carlos Henrique Perpétuo Braga, 19ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 02/09/2021, publicação da súmula em 09/09/2021)
Assim, o namoro qualificado é reconhecido como fenômeno existente, tanto pela doutrina quanto pela jurisprudência.
Assentamos neste artigo, até o momento, que, ao lado dos pressupostos objetivos da União Estável (o fato da convivência pública, contínua e duradoura), está o elemento subjetivo (a intenção, vontade, ânimo de constituir família) e que não há hierarquia entre tais pressupostos.
É conclusivo também que se admite, na doutrina e na jurisprudência, a figura do namoro qualificado, cuja apresentação pode guardar os pressupostos objetivos da União Estável, até o ponto de confundirem-se os fenômenos, somente divergindo daquela modalidade de família pela ausência do elemento subjetivo.
Parece despiciendo, mas para que fique ao largo de dúvidas, oportuno afirmar que qualquer namoro, simples ou qualificado, não implica União Estável nem produz efeitos patrimoniais. O namoro “a toda evidência, não gera união estável, e nunca foi e nem será sinônimo de casamento, porque a sua finalidade não é constituir uma família”32.
Indaga-se, então, por mais razoável e verossímil que pareçam os argumentos desenvolvidos, se seria possível blindar premonitoriamente a relação desejada – namoro estável ou qualificado – para que este não seja confundido com União Estável; e, mais, se seria viável a customização da relação afetiva para atender a autonomia privada existencial das partes.
As respostas ainda vêm meio cambaleantes, mas tem-se apresentado na forma de um instrumento que declara expressamente a vontade daqueles que se gostam o suficiente para não desistirem um do outro, mas insuficiente para aprofundar as raízes do vínculo familiar.
Ana Carolina Brochado Teixeira responde com outras perguntas, reconhecendo a nova realidade nas relações humanas: “por que não contratualizá-las? Por que não dar validade e eficácia jurídica às declarações de vontade que exprimem as escolhas pessoais e amorosas dos indivíduos?”33 E ainda:
Dessa forma, o contrato de namoro seria possível, na medida em que o direito de família atual se legitima, entre livre e iguais, com mínima interferência em tais relacionamentos, já que inexiste uma presunção de vulnerabilidade que a justifique.34
É no intuito de negar expressamente a existência de União Estável, protegendo os namorados um do outro, que surge o negócio jurídico de negação, precariamente denominado de contrato de namoro.
A finalidade da declaração recíproca, portanto, será a de deixar esclarecido e ajustado o limite pretendido com a relação no presente, estabelecendo uma distância segura dos efeitos patrimoniais e pessoais advindos da formação da família.
A doutrina majoritária admite a imprescindibilidade do elemento volitivo – declaração positiva – expresso ou tácito, ao lado do quadro fático para a configuração da União Estável, o que significa dizer que não se deve silenciar a vontade convergente dos protagonistas, substituindo-a pela intervenção estatal.
Por outro lado, há resistência doutrinária a admitir a declaração negativa apesar do quadro fático aparente, ou seja, a vontade sincera e honesta no sentido de recusar a União Estável tem menos energia que a declaração positiva.
Há quem vislumbre no contrato um nada jurídico35 ou aduz que o contrato preventivo de namoro nada blinda, sendo melhor que os interessados firmassem desde logo um contrato de convivência modelado no regime da completa separação de bens.36 Outros entendimentos duvidam da higidez do negócio jurídico, pugnando por sua nulidade por se tratar de negócio jurídico com objetivo premeditado de fraudar lei imperativa. Nesse sentido, Silvio Venosa diz que “propende pela corrente que entende que esses contratos de namoro são nulos (art. 166, VI do Código Civil)”. Para o autor, a finalidade, “na massiva maioria das vezes, é proteger o partícipe que possui patrimônio em detrimento daquele que não o tem, com nítida ofensa aos princípios da dignidade humana e do direito de família.”37 Entendimento acompanhado por Christiano Cassettari ao declarar que “tal negócio jurídico não pode ser celebrado, pois atenta de forma fulminante contra a função social do contrato, prevista no art. 421 do CC” e afasta a aplicação de uma lei imperativa, sendo nulo conforme art. 166, VI, do CC.38
Flávio Tartuce, de forma mais dura, entende ser nulo o negócio jurídico de namoro por ilicitude do objeto e por fraude a lei imperativa, nos casos em que existe a União Estável:
Ilustrando, é nulo o contrato de namoro nos casos em que existe entre as partes envolvidas uma união estável, eis que a parte renuncia por esse contrato e de forma indireta a alguns direitos essencialmente pessoais, como é o caso do direito a alimentos. Esse contrato é nulo por fraude à lei imperativa (art. 166, VI, do CC), e também por ser o seu objeto ilícito (art. 166, II, do CC).39
Por outro lado, há bastante lucidez na doutrina que defende a possibilidade do contrato de namoro. O mestre maior Zeno Veloso, admitindo esse negócio jurídico, leciona que se trata de:
(…) uma declaração bilateral em que pessoas maiores, capazes, de boa-fé, com liberdade, sem pressões, coações ou induzimento, confessam que estão envolvidas num relacionamento amoroso, que se esgota nisso mesmo, sem nenhuma intenção de constituir família, sem o objetivo de estabelecer uma comunhão de vida, sem a finalidade de criar uma entidade familiar, e esse namoro, por si só, não tem qualquer efeito de ordem patrimonial, ou conteúdo econômico.40
Roberto Senise Lisboa obtempera não ofender a norma um negócio jurídico de negação da União Estável, esclarecendo que:
(…) não há impedimento legal para que os interessados produzam documento cuja finalidade é obstar o reconhecimento da união estável. Trata-se do contrato de namoro, negócio jurídico por meio do qual os interessados declaram consensualmente que não existe nenhuma affectio para os fins de constituição de família a partir do seu relacionamento.41
Marília Pedroso Xavier, em criterioso trabalho de pesquisa, conclui pela legitimidade do contrato de namoro:
O relevo dado à vontade das partes é coerente com o transcurso operado do modelo transpessoal ao eudemonista de família. Também, encontra assento na doutrina do direito de família mínimo, que defende uma intervenção estatal mínima nessa seara, ocorrendo em caráter excepcional apenas quando se configurarem situações de vulnerabilidade.42
Ainda no sentido de admissão do contrato de namoro estão Leonardo Amaral Pinheiro da Silva43, Laura Zuppo de Sousa44, Glaucia Cardoso Teixeira e Luiz Gustavo Tiroli45, Márcio Jardim Matos46, entre outros. A admissão da validade e eficácia do contrato de namoro, em regra, vem acompanhada do alerta sobre os resultados do confronto do contrato com a realidade inversa:
O denominado “contrato de namoro” tem, todavia, eficácia relativa, pois a união estável é, como já enfatizado, um fato jurídico, um fato da vida, uma situação fática, com reflexos jurídicos, mas que decorrem da convivência humana. Se as aparências e a notoriedade do relacionamento público caracterizarem uma união estável, de nada valerá contrato dessa espécie que estabeleça o contrário e que busque neutralizar a incidência de normas cogentes, de ordem pública, inafastáveis pela simples vontade das partes.47
Aos que negam as questões relacionadas ao contrato de namoro, oportunas as palavras de Marília Pedroso Xavier:
Nota-se um medo latente nos escritos desses autores. Diante de novas situações que desafiam os saberes e que não admitem respostas simples, opta-se pelo caminho mais cômodo: negar a novidade que ameaça porque ainda não decifrada. Sobre isso, novamente, fazemos nossas as palavras de Orlando Gomes: “Cegos para as mudanças sociais e insensíveis às variações no clima da opinião pública, vêem, com injustificado pavor, em cada proposição autenticamente reformadora, o desabamento da ordem que a rotina consagrou”. 48
As farpas da doutrina em face do contrato de namoro se concentram em três aspectos, principalmente: a) nulidade por ilicitude do objeto; b) nulidade pelo objetivo de fraudar lei imperativa; e, c) insubsistência no confronto entre a vontade manifestada e a realidade. Os argumentos comportam reparos.
A princípio, ao se indagar sobre qual seria o objeto do contrato de namoro, a resposta é simples: o indisfarçável objetivo do contrato de namoro é deixar expresso que a vontade dos declarantes é a de se manterem nos limites do namoro, observada a feição dominante no paradigma presente, sem cruzar a fronteira para a união estável.
O objeto, portanto, é a própria autonomia privada existencial, afastando qualquer dúvida sobre o que pretendem os atores: se o namoro pode ser qualificado antes de se tornar União Estável, é naquele hiato que querem repousar.
Quanto ao objetivo de fraudar lei imperativa, ecoa ainda o alerta de Virgílio de Sá Pereira: “o legislador não cria a família, como o jardineiro não cria a primavera; soberano não é o legislador, soberano é a vida”49. No mesmo sentido, João Baptista Vilella aduzia que “a família não é criação do Estado ou da Igreja”, ela antecede ao Estado e é contemporânea do direito. “Pela ordem natural das coisas, não está no poder de disposição do Estado ou da Igreja desenhar, ao seu arbítrio, o perfil da família”.50
A lei não pode ser um livro de rezas, cuja escrita indelével não se incomoda com seu tempo. A lei existe e é imperativa enquanto a sociedade compreender que é. Se a compreensão se altera, cabe a norma ajoelhar-se e adaptar-se, sob pena de desuso por inutilidade.
No caso da manifestação de vontade inserida no contrato de namoro, negando a união estável, não há a priori fraude a lei imperativa, porque a norma exige intenção e esta é oferecida no instrumento. Dizer não é manifestar intenção. Nas palavras de Marília Pedroso Xavier, “não há razão justificável para previamente imputar às partes o ânimo de fraude à lei. Frise-se que no direito pátrio vigora o princípio da presunção da inocência”.51
O amor, o tanto de amor, se suficiente ou não para fundar uma família, são assuntos exclusivos dos que amam, não do Estado. Pode ser que os protagonistas do relacionamento queiram viver um afeto resumido e considerem que “qualquer amor já é um pouquinho de saúde, um descanso na loucura”52, e somente resta ao Estado respeitar essa deliberação.
Cada casal, nessa seara, pode ser o seu próprio legislador, porque as questões afetivas estão sujeitas apenas a negociação interna, na qual somente cabem como negociadores os próprios amantes.53
A norma que descreve os requisitos da União Estável é adequada para o passado, mas não resiste às constatações do presente, e será incapaz de regular o futuro. É natural que isso ocorra com as normas. Elas não são feitas para o futuro, porque esse é inescrutável, e não podem responder a perguntas que não foram feitas.
Quanto à insubsistência do negócio jurídico de negação quando a família, apesar de negada, é uma realidade presente, não há como censurar se estivermos tratando de vícios do consentimento ou simulações.
O contrato de namoro é um negócio jurídico e como tal, guardadas as proporções devidas, sujeito aos seus eventuais defeitos, como erro, dolo ou coação. Naturalmente que o tratamento dado pelo legislador civil aos defeitos do negócio jurídico tem um tom eminentemente obrigacional, razão pela qual deve ser temperada sua compreensão no que se refere ao contrato de namoro, mas a aplicação nos parece plenamente viável.
Será nulo o contrato de namoro quando estiver eivado de simulação, hipótese em que as partes sabem ser protagonistas de uma União Estável, mas simulam tratar-se apenas de namoro. Neste caso, o instrumento seria nulo por conter declaração ou confissão não verdadeira, circunstância que desconecta o negócio jurídico da realidade. Esse vício será a sina e a maldição do negócio, destruindo o contrato de dentro para fora.
Contudo, não sendo o caso de vícios de consentimento, pretendendo os protagonistas não cruzarem deliberadamente a fronteira do namoro para a união estável, a vontade expressamente manifestada há de ser suficientemente poderosa a ponto de manter a relação como namoro.
Em resumo, não haverá a união estável se a vontade das partes é de que não haja. Se compreendermos que a união estável não é um ato-fato, é plenamente cabível afastar a sua existência pela vontade: o casal só quer namorar, então, não há união estável por absoluta ausência do elemento subjetivo para a configuração.
O contrato de namoro é negócio jurídico de forma livre, não exigente de instrumento público, razão pela qual pode ser escrito por instrumento particular, seja pelas próprias mãos interessadas, seja por intermédio de advogado. Essa última opção, para o instrumento particular, indubitavelmente é a mais indicada, e será ainda mais conveniente se o profissional for especializado em direito de família.
Por outro lado, não há como negar os benefícios da escritura pública, principalmente quando ainda paira alguma desconfiança sobre o contrato de namoro, assentada na presença de eventuais vícios de consentimento porventura presentes na produção da vontade.
Embora não seja obrigatória, a forma pública para coleta da manifestação da vontade pode ser eleita pelos interessados54, e daí, contribuir decisivamente para erodir incertezas, amparada pelo rito e formalidade necessariamente adotados nas serventias notariais para total coincidência entre pensamento, manifestação e transcrição do elemento volitivo.
O tabelião de notas é o cientista do Direito, dotado de fé pública e imparcialidade, capaz de assessorar as partes, com clareza e equidistância, informando-as do eventual caráter abdicativo presente no negócio jurídico.
Não se apurando o firme propósito ou havendo incertezas pontuais de qualquer das partes, a escritura simplesmente não poderá ser lavrada e, se já o foi, não poderá ser firmada, e a recusa do tabelião em finalizar o ato é rigorosamente legítima.
É vocação do tabelião o esclarecimento e a orientação, por meio de linguagem acessível, corrigindo eventual assimetria de informações e o hermetismo da linguagem técnica. Essa providência permite a isonomia dos protagonistas, amplo espectro de equilíbrio dos interesses, garantia da compreensão dos limites e possibilidades do instrumento solicitado. O corolário lógico desse controle prévio é a certeza de prevenção de litígios futuros.55
O instrumento resultante – a escritura pública – reúne os melhores predicados: a) é coerente com os interesses das partes, porque passou pela rigorosa interpretação e qualificação jurídica do negócio jurídico pretendido; b) é adequado, porque formalmente construído pelo tabelião – profissional especialista – para gerar eficácia; c) é revestido de certeza e estabilidade, porque dotado de fé pública notarial; e, d) é prova plena, em razão da presunção de que gozam os instrumentos lavrados pelo tabelião, conforme disposto no art. 215 do Código Civil: “A escritura pública, lavrada em notas de tabelião, é documento dotado de fé pública, fazendo prova plena”.
O instrumento público a ser lavrado não será um contrato, mas uma declaração bilateral de vontades, e como tal, comporta no futuro uma atualização da declaração em face da compreensão que as partes tiverem sobre a natureza ou extensão do relacionamento em que se encontram.
As partes podem, inclusive, inserir no instrumento cláusula que preveja, com antecedência, o regime de bens que desejam para o caso de o namoro qualificado evoluir para uma União Estável. Essa possibilidade já foi defendida por João Henrique Miranda Soares Catan, segundo o qual, se pode inserir no contrato de namoro uma cláusula “darwiniana”, prevendo a evolução do namoro para a união estável e efeitos patrimoniais específicos – ou regime de bens – “quando as partes, por maturidade e vontade, automaticamente começarem a conviver de forma estável”. 56
Após a pesquisa extraímos algumas conclusões preliminares, enumeradas a seguir:
a) A União Estável, para sua configuração, exige a concorrência de pressupostos objetivos (convivência pública, contínua e duradoura) e subjetivo (estabelecida com o objetivo de constituição de família), conforme a melhor leitura do art. 1.723 do Código Civil Brasileiro. Somente no absoluto silêncio dos protagonistas, o pressuposto subjetivo – intenção – deve ser extraído exclusivamente dos pressupostos objetivos, comprovados pelos vestígios do relacionamento.
b) É assente na doutrina e jurisprudência a existência de modalidades de namoro – simples e qualificado (ou estável) – ambos insuscetíveis de gerar consequências materiais como alimentos, partilha de bens ou sucessão.
c) O denominado namoro qualificado esmaeceu a linha divisória antigamente muito clara entre namorar e constituir família, e se apresenta hodiernamente (ou pode se apresentar) com a aparência de União Estável, em razão do comportamento moderno carregado dos pressupostos objetivos da União Estável (publicidade, continuidade e durabilidade).
d) A diferenciação apurável entre namoro qualificado e União Estável reside na ausência do pressuposto subjetivo dessa última, qual seja, a intenção ou vontade convergente de constituição de família.
e) A falta de intenção ou vontade de constituir família pode ser validamente manifestada em instrumento particular ou público de negação, cuja denominação popular é “contrato de namoro”. Se as partes, maiores e capazes, cientes do relacionamento em que se encontram, ausentes as vulnerabilidades57, manifestam as vontades convergentes expressamente no sentido de reconhecer que não estão em uma União Estável, essa vontade há de ser obedecida, respeitada e protegida pelo sistema.
f) Aprioristicamente o “contrato de namoro” não é nulo, posto que não apresenta nenhuma das hipóteses de nulidade previstas no art. 166 do Código Civil Brasileiro.
g) O “contrato de namoro”, guardadas as devidas proporções, está sujeito à anulação por defeitos do negócio jurídico ou nulidade por simulação.
h) Embora não haja exigência do instrumento público, este é o mais adequado para assegurar certezas e prevenir conflitos na matéria.
i) A declaração bilateral pode ser alterada pelos interessados, desde que haja atualização do ânimo, da mesma forma que podem já prever o regime de bens de sua preferência na hipótese de amadurecimento do namoro qualificado para uma união estável no futuro.
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1 Adaptação livre do texto atribuído ao filósofo Heráclito de Éfeso: “Tu não podes descer duas vezes no mesmo rio, porque novas águas correm sempre sobre ti” (D 12). (…) “Heráclito diz em alguma passagem que todas as coisas se movem e nada permanece imóvel. E, ao comparar os seres com a corrente de um rio, afirma que não poderia entrar duas vezes num mesmo rio (cf. fragmento 91,12). — Aécio, I, 23, 7: Heráclito retira do universo a tranquilidade e a estabilidade, pois é próprio dos mortos; e atribuía movimento a todos os seres, eterno aos eternos, perecível aos perecíveis”. HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich. Preleções de história da filosofia grega. Trad. Ernildo Stein. In: Os Pré-socráticos. São Paulo: Nova Cultural, 1996, (Coleção Os Pensadores), p. 211.
2 Se ainda se permite falar em “revoluções” hoje, é apenas em retrospecto – quando, olhando para trás, percebemos que uma quantidade suficiente de mudanças pequenas e aparentemente insignificantes se acumulou para produzir uma transformação não apenas quantitativa, mas qualitativa, na condição humana. BAUMAN, Zygmunt. A arte da vida. Tradução de Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Zahar, 2009. p. 87.
3 BAUMAN, Zygmunt. Legisladores e intérpretes: sobre modernidade, pós-modernidade e intelectuais. Tradução de Renato Aguiar. Rio de Janeiro: Zahar, 2010. p. 13.
4 Embora tenhamos críticas quanto a terminologia “Contrato de Namoro”, utilizaremos essa denominação para fins didáticos.
5 A indissolubilidade do casamento em sede constitucional aparece a partir da Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1934 (art. 144), e se repete nas Constituições de 1937 (art. 124), de 1946 (art. 163) e de 1967 (art. 167).
6 Lei nº 3.071, de 01/01/1916, Código Civil de 1916, art. 222. A nulidade do casamento processar-se-á por ação ordinária, na qual será nomeado curador que o defenda.
7 PEREIRA, Virgílio de Sá. Lições de Direito de família. 2. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1959, p. 95.
8 PEREIRA, Virgílio de Sá. Lições de Direito de família. 2. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1959, p. 89. É sempre oportuno lembrar as palavras desse mestre absoluto: “(…) que é que vedes quando vedes um homem e uma mulher, reunidos sob o mesmo teto, em torno de um pequenino ser, que é o fruto de seu amor? Vereis uma família. Passou por lá o juiz, com a sua lei, ou o padre, com o seu sacramento? Que importa isso?” (p. 90).
9 LÔBO, Paulo. Direito Civil Famílias. 3ª ed. Editora Saraiva, 2011, p. 172.
10 LÔBO, Paulo. A concepção ela união estável como ato-fato jurídico e suas repercussões processuais. In: MADALENO, Rolf; PEREIRA, Rodrigo da Cunha (orgs.). Direito de família: processo, teoria e prática. Rio de Janeiro: Forense, 2008. vol. 1, p. 101 – 116.
11 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Direito das Famílias. 2ª ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2021.
12 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 10ª edl. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015, p. 242.
13 BALBELA, João Rubens Pires; STEINER, Renata Carlos. União estável como ato-fato: importância da classificação. Revista Brasileira de Direito das Famílias e Sucessões. Porto Alegre: Magister; Belo Horizonte: IBDFAM, n. 28, jun.-jul. 2012.
14 CALDERÓN, Ricardo. Princípio da Afetividade no Direito de Família, 2 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2017, p. 27.
15 TARTUCE, Flávio. Direito Civil: Direito de Família. Vol. 5. 11ª rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense, 2016, p. 352.
16 VELOSO, Zeno. Direito civil: temas. 2. ed. Salvador: JusPodivm, 2019, p. 297.
17 MADALENO, Rolf. Manual de Direito de Família. 11. ed., Rio de Janeiro: Forense, 2021, p. 1.208.
18 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: direito de família. v. 6. São Paulo: Editora Saraiva, 2021, p. 224.
19 XAVIER, Fernanda Dias. União Estável e Casamento: A Impossibilidade De Equiparação A Luz Dos Princípios Da Igualdade E Da Liberdade. Brasília: Dados eletrônicos – TJDFT, 2015, p 107.
20 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSELVAD, Nelson. Curso de direito civil: famílias. Vol. 6, 9ª ed. rev.
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21 ALMEIDA, Renata Barbosa de Almeida, RODRIGUES JÚNIOR, Walsir Edson. Direito civil: famílias. Lumen Juris: Rio de Janeiro, 2010, p. 318.
22 CARVALHO FILHO, Milton Paulo de. Código Civil comentado. Coordenador Ministro Cezar Peluso. 6ª Edição, revisada e atualizada. 2012. Editora Manole. São Paulo. p. 2007/2008)
23 BAUMAN, Zygmunt. A arte da vida. Tradução de Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Zahar, 2009. p. 87.
24 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Comentários ao Código Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2004. v. XX: Da união estável, da tutela e da curatela. p. 64-65.
25 DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 14ª ed. rev. ampl. e atual. Salvador: Editora JusPodivm, 2021, p 618.
26 Variam os nomes do eterno jogo da conquista amorosa: rondar, flertar, paquerar, hoje em dia “ficar”. Na sequência, se e quando houver, dá-se a fase do “rolo” e pode acontecer a evolução do afeto para namorar, noivar, viver junto e, até mesmo, casar pelos cânones legais como supremo ato de entrega e aceitação. OLIVEIRA, Euclides Benedito de. Efeitos Jurídicos da Escala do Afeto: Ficar, Namorar In: Conferência pronunciada no V Congresso Brasileiro de Direito de Família.26 out. 2005 a 29 out. 2005, Belo Horizonte, MG. Anais (on-line). Belo Horizonte: IBDFAM, 2005. Disponível em: https://ibdfam.org.br/_img/congressos/anais/13.pdf. Acesso em: 21/04/2022.
27 VELOSO, Zeno. Direito civil: temas. Belém: Anoreg-PA, 2018. p. 313
28 POFFO, Mara Rúbia Cattoni. Inexistência de união estável em namoro qualificado. IBDFAM. Disponível em https://ibdfam.org.br/artigos/601/Inexist%C3%AAncia+de+uni%C3%A3o+est%C3%A1vel+em+ namoro +qualificado. Acesso em 08.05.2022.
29 CASSETTARI, Christiano. Divórcio, extinção de união estável e inventário por escritura pública teoria e prática. 10ª ed. – Indaiatuba, SP: Editora Foco, 2022, p. 194.
30 COSTA, Maria Aracy Menezes da. Namoro qualificado: a autonomia da vontade nas relações amorosas. Revista da Ajuris, ano XXXIV, nº 107, p. 201-213, set. 2007.
31 MADALENO, Rolf. Direito de Família. 10ª ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2020.
32 WELTER, Belmiro Pedro. Teoria tridimensional do direito de família. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009, p. 281.
33 Prefácio da obra “Contrato de namoro: amor líquido e direito de família mínimo”. 2. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2020, de autoria de Marília Pedroso Xavier, p. 21.
34 Idem, p. 23.
35 O contrato, com a finalidade de blindagem de patrimônio individual, seria um nada jurídico. Não há como previamente afirmar a incomunicabilidade futura, principalmente quando se segue um longo período de vida em comum, no qual foram amealhados bens. Nessa circunstância, emprestar eficácia a contrato firmado no início do relacionamento que preveja a incomunicabilidade patrimonial, corresponderia à adoção do regime da separação convencional de bens e pode ser fonte de enriquecimento sem causa. DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 14ª ed. rev. ampl. e atual. Salvador: Editora JusPodivm, 2021, p. 618.
36 MADALENO, Rolf. Manual de Direito de Família. 10. ed., Rio de Janeiro: Forense, 2021, p. 1.994.
37 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: família. 17ª ed. – São Paulo: Atlas, 2017. (Coleção Direito civil; 5), p. 435. E diz ainda, “Há que se entender que um contrato desse naipe não terá o condão de alterar a situação fática do casal, a qual definirá se vivem ou não em união estável. Desse modo, na companhia de notáveis especialistas, não diviso efeitos jurídicos nesses surpreendentes pactos, muito mais porque a situação fática se altera com muita facilidade e seria necessária uma série ampla de alterações nesses escritos para espelhar a realidade de cada momento.”
38 CASSETTARI, Christiano. Divórcio, extinção de união estável e inventário por escritura pública teoria e prática. 10ª ed. – Indaiatuba, SP: Editora Foco, 2022, p. 194.
39 TARTUCE, Flávio. Direito Civil: Direito de Família. Vol. 5. 11ª rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense, 2016, p 02.
40 VELOSO, Zeno. É namoro ou união estável? IBDFAM: Minas Gerais. 2016. Disponível em: https://ibdfam.org.br/noticias/6060. Acesso em: 21/04/2022.
41 LISBOA, Roberto Senise. Manual de direito civil, v. 5: direito de família e sucessões.7ª ed. – São Paulo: Saraiva, 2012, p.175.
42 XAVIER, Marília Pedroso. Contrato de namoro: amor líquido e direito de família mínimo. 2ª ed. 4ª Reimpressão. Belo Horizonte: Fórum, 2020, p. 197.
43 SILVA, Leonardo Amaral Pinheiro da. Qual a eficácia jurídica dos contratos de namoro? Revista IBDFAM: Famílias e sucessões. V. 36 (nov.dez.). Belo Horizonte: IBDFAM, 2019, p. 54.
44 SOUZA, Laura Zuppo de. Estudo sobre a validade do contrato de namoro. Revista IBDFAM: Famílias e sucessões. V. 32 (mar.abr.). Belo Horizonte: IBDFAM, 2019, p. 50.
45 TEIXEIRA, Glaucia Cardoso; TIROLI, Luiz Gustavo. O contrato de namoro e sua (in)efi cácia jurídica no ordenamento brasileiro. Revista IBDFAM: Famílias e sucessões. V. 38 (mar.abr.). Belo Horizonte: IBDFAM, 2020, p. 34.
46 MATOS, Márcio Jardim. Breves anotações sobre o contrato de namoro. Revista IBDFAM: Famílias e sucessões. V. 43 (jan.fev.). Belo Horizonte: IBDFAM, 2021, p. 123.
47 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, volume 6 : direito de família. 14ª . ed. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 829.
48 XAVIER, Marília Pedroso. Contrato de namoro: amor líquido e direito de família mínimo. 2ª ed. 4ª Reimpressão. Belo Horizonte: Fórum, 2020, p. 145.
49 PEREIRA, Virgílio de Sá. Lições de Direito de família. 2. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1959, p. 95.
50 VILLELA, João Baptista. Repensando o direito de família. In: CUNHA PEREIRA, Rodrigo da. (Coord.). Anais do I Congresso Brasileiro de Direito de Família. Belo Horizonte: Del Rey, 1999.
51 XAVIER, Marília Pedroso. Contrato de namoro: amor líquido e direito de família mínimo. 2ª ed. 4ª Reimpressão. Belo Horizonte: Fórum, 2020, p. 163.
52 ROSA, João Guimarães, 1908-1967. Grande Sertão: veredas. 19ª ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001, p 327.
53 OLIVEIRA, Guilherme de, “«Queremos amar-nos… mas não sabemos como!»”, Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 133, nºs 3911-3912, junho-julho, 2000, pp. 41-47.
54 Lei nº 8.935, de 18/11/1994, art. 6º Aos notários compete: I – formalizar juridicamente a vontade das partes; II – intervir nos atos e negócios jurídicos a que as partes devam ou queiram dar forma legal ou autenticidade, autorizando a redação ou redigindo os instrumentos adequados, conservando os originais e expedindo cópias fidedignas de seu conteúdo;
55 A categoria dos notários, embora tradicional, “pode ser considerada como uma das mais modernas instituições pertencentes ao sistema jurídico voltada para a sociedade, que imprescinde de segurança e estabilidade nas diversas relações que envolvem os seus membros, obtida através da atuação sempre cautelosa desses operadores de direito”. COMASSETO, Míriam Saccol, A Função Notarial como Forma de Prevenção de Litígios, Porto Alegre: Norton, 2002, p. 91.
56 CATAN, João Henrique Miranda Soares. O réquiem dos contratos de namoro e a possibilidade da instituição da cláusula darwiniana. Disponível em: https://ibdfam.org.br/artigos/890/O+r%C3%A9quiem+dos+contratos +de+namoro+e+a+possibilidade+da+institui%C3%A7%C3%A3o+da+cl%C3%A1usula+darwiniana. Acesso em 08.05.2022.
57 Se há vulnerabilidades concordamos com a “retirada do plano da vontade para migrar para a esfera dos deveres, da solidariedade”, conforme leciona TEIXEIRA, Ana Carolina Brochado; RODRIGUES, Renata de Lima. O direito das famílias entre a norma e a realidade. São Paulo: Atlas, 2010, p.105.
* Letícia Franco Maculan Assumpção – Graduada em Direito pela UFMG, pós-graduada, mestre e doutoranda em Direito. Oficial do Cartório de Registro Civil e Notas do Distrito de Barreiro, em Belo Horizonte, MG. Professora e Diretora do INDIC – Instituto Nacional de Direito e Cultura. Presidente do Colégio Registral de Minas Gerais e Diretora do CNB/MG e do RECIVIL. Autora dos livros Notas e Registros, Casamento e Divórcio em Cartórios Extrajudiciais do Brasil e Usucapião Extrajudicial, além de capítulos em livros coletivos e diversos artigos sobre direito notarial e registral.
** Paulo Hermano Soares Ribeiro – Graduado em Direito pela Universidade Estadual de Montes Claros (UNIMONTES), pós-graduado em Poder Judiciário; pós-graduado em Metodologia e Docência do Ensino Superior. Professor de Direito Civil do Centro Universitário UNIFIPMoc. Professor da Pós-Graduação em Direito Notarial e Registral do CEDIN – Centro de Direito e Negócios. Conselheiro Fiscal do Colégio Notarial Brasileiro (CNB-MG). Tabelião em Minas Gerais. Autor dos livros Novo Direito Sucessório Brasileiro, Casamento e Divórcio na Perspectiva Civil Constitucional, Nova Lei de Adoção Comentada, capítulos em livros coletivos, artigos jurídicos e multidisciplinares.